domingo, 26 de outubro de 2008

Por duas polegadas a mais...

Texto abaixo retirado da revista "Jornais dos Jornais", de maio de 1999:

"Uma derrota brasileira não menos traumática que a perda da Copa para o Uruguai em 1950. Quatro anos depois da tragédia do Maracanã, a alma nacional foi massacrada pelo segundo lugar dado à baiana Marta Rocha no campeonato de beleza realizado em Long Beach, nos Estados Unidos. Marta, com 38 polegadas de quadril, perdeu para a americana Miriam Stevenson, de 36. Os enviados especiais da imprensa brasileira creditaram a derrota às duas polegadas (5 cm) a mais. A explicação revoltou o país e explodiu nas ruas quando Pedro Caetano e Carlos Renato lançaram a marcha de grande sucesso do Carnaval de 1955: “Por duas polegadas a mais / passaram a baiana pra trás / por duas polegadas, e logo nos quadris / tem dó, tem dó seu juiz”.

Eu ainda não existia nem na derrota de Seleção em 1950 e também não vi Marta Rocha ser preterida pela candidata que prenunciava um futuro de ditadura da magreza. Mas hoje fui acometida de sentimento semelhante ao descrito por quem viveu as duas ocasiões.

Não consegui conter as lágrimas ao saber da derrota de Fernando Gabeira para a prefeitura do Rio de Janeiro. É um golpe muito duro estar quase lá e não conseguir chegar. É um golpe muito duro ter a esperança de ver a cidade que amo, a cidade escolhida para se viver, ser governada por um oportunista da pior espécie. É muito triste constatar que o problema do Brasil é mesmo a má formação congênita de boa parte da população, que não quer ver, não quer o progresso, não quer a honestidade, não quer a sinceridade, não aguenta o olho no olho, porque não aguenta viver na ordem. É um duro golpe ver que 50,78% da população carioca optou pela hipocrisia e pelo coronelismo.

O novo prefeito ganhou por uma diferença inferior a um ponto percentual. Por menos de um ponto percentual o povo do Rio terá quatro anos para aprender com o sofrimento.

Ainda choro. Choro porque a eleição de Gabeira era minha última esperança de desistir de sair do Brasil, para nunca mais voltar.

sábado, 25 de outubro de 2008

Inhoaíba

Graças ao candidato adversário a Fernando Gabeira na disputa à Prefeitura do Rio de Janeiro, morrerei menos estúpida. Uma das estações de trem da Zona Oeste, um remoto lugar perdido na cidade, me foi revelado no debate de hoje à noite na Rede Globo: Inhoaíba. Acho natural não se conhecer algum lugar na cidade. Ainda mais quando não há aspiração a concorrer a nenhum cargo eletivo. Garanto que há muita gente em Inhoaíba que também não conhece a Gamboa, por exemplo, bairro no qual fica o Morro da Providência, aquele onde recentemente o exército resolveu executar três moradores. Eu conheço a Gamboa. Conheço também o Engenho Novo, onde fui criada, influenciando em muito na formação de minha vida e visão de mundo. Quando eu morava no Engenho Novo, ía muito a Campo Grande, ou melhor, a Benjamim do Monte, onde uma colega de colégio morava. Realengo era outra paragem, local de moradia de outra grande amiga. A primeira quadra de escola de samba que pisei, aos 15 anos de idade, foi na comunidade de Vila Vintém, em Padre Miguel. Estudando no Cetiqt, no Jacarezinho, frequentava a casa de amigos em Cavalcante, Senador Camará, Pechincha, Copacabana, Vila Isabel, Ipanema, Urca, Méier, Cachambi, Bangu, Tijuca, Laranjeiras, etc..etc..Cada vez que ía a um lugar novo, tinha por hábito observar. Como sempre fui de me manifestar, manifestava-me sobre cada peculiaridade que me chamava atenção. O bom e o ruim. O belo e o feio. O pitoresco e o de sempre. Hoje moro na Zona Sul. Mas tive em minha trajetória rápidas passagens por Tijuca e Recreio. Também até já morei fora do Rio. Nasci na Zona Portuária, meus primeiros seis meses passei em Nilópolis, terra do meu pai, fiz um aninho em Cascadura, transitei por São João de Meriti, de onde é minha mãe e vivi no subúrbio boa parte da minha vida. Mesmo assim, nunca tinha ouvido falar em Inhoaíba.

O adversário de Gabeira quis mostrar que conhece muito toda a cidade, especialmente a Zona Oeste, pregando uma hipocrisia que eu não via desde os tempos de Fernando Collor.

Eu não queria um prefeito hipócrita para essa cidade. Nem um demagogo, típico fingidor, aproveitador da ignorância política predominante no subúrbio, nas zonas mais pobres e nos grotões menos favorecidos. Posso falar de experiência própria: na eleição de 1989, eu fui vaiada nas ruas do Engenho Novo só por andar com minha camisa com o slogan "Sem medo de ser feliz", em favor do Lula. Para quem não lembra, a Zona Norte votou em peso no Fernando Collor de Mello. Conheço também a história de um amigo, gay, indo para boate, montado em estilo moderno, e que foi apedrejado nas ruas de Bonsucesso.

Aí, nessa altura da vida, tenho que aguentar gente me dizendo que o Gabeira não gosta de suburbano. Só porque ele falou da visão suburbana de alguém. Tá legal. Atire a primeira pedra quem nunca fez um comentário preconceituoso. Mas antes disso, olhe ao redor: será que no subúrbio as visões não têm mesmo um ângulo diferente ao da Zona Sul? Isso quer dizer que seja ruim?

Gabeira é o homem menos preconceituoso da política e sua visão do mundo é aberta, vanguarda, mil anos à frente do nosso tempo. Acontece que não podemos negar: no Rio de Janeiro as pessoas como ele migram para a Zona Sul. Por vários motivos, entre os quais, porque não querem ser vaiadas. Nem apedrejadas.

Eu quero um Rio menos dividido. Quero um Rio com pessoas como Gabeira, como eu, como vários amigos que sabem transitar por todos os meios com respeito, admiração e também visão crítica, por que não? Quero uma Zona Sul que não torça o nariz para a farofa da praia e também um subúrbio que respeite o gay, o moderno, o que pensa diferente.

Abaixo a hipocrisia. Por um Rio mais feliz, mais inteligente, menos macomunado com forças politiqueiras.

Vote consciente no dia 26 de outubro e dê de presente um prefeito à altura da Cidade Maravilhosa.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

O que faz você feliz?

Adoro o comercial do supermercado 'Pão de Açúcar'. O atual é com o Seu Jorge cantando e indagando, na canção, a pergunta que dá título a este post.

Mas gosto mesmo é do primeiro, com a voz do Arnaldo Antunes narrando...se não viu, da uma olhada no link abaixo.

http://www.youtube.com/watch?v=JoYT8TH_ckY

Tenho mania , meio de brincadeira, de cumprimentar meus amigos e as pessoas que se relacionam comigo com um "Está feliz?", em vez de um "Está tudo bem?".

Noto que as pessoas riem.

Noto uma certa dificuldade em se admitir que se está ou é feliz.

Em geral, se dá um peso muito grande à palavra felicidade.

Mas na verdade, saber exatamente o que faz a gente feliz deveria ser o primeiro passo para se estruturar e escolher a forma ideal para se viver.

Estar com gente, compartilhar momentos e conviver são três coisas que me deixam muito feliz. Me comunicar e trocar idéias com as pessoas sempre foram coisas que me fazem feliz, desde muito cedo. Acho que escolhi a profissão certa. Fico feliz na maior parte do tempo. Também cultivo amizades, outra maneira de alimentar a felicidade , quando se é tão sociável...

Me faz feliz um croissant com nutela. Um bom livro. Cozinhar e servir para outros comerem. Enxergar me faz feliz. Ouvir também. Me faz feliz ajudar as pessoas, com qualquer coisa: uma informação, uma indicação de emprego, um cuidado qualquer, um conselho, uma dica de viagem ou dar uma de cupido. Generosidade me faz feliz. Fazer carinho no gato e brincar com crianças legais também me deixam feliz. Dar festas e ir a festas me deixam imensamente feliz!

Há coisas que não sabemos, mas aspiramos para ser felizes. Ter filhos é um exemplo Eu não sei se me faz feliz, nunca os tive. Mas conheço quem precisa deles para ser feliz. Dinheiro é outra. Quem nunca teve muito nem precisa ter tido para saber como deve dar uma felicidade danada ter dinheiro sobrando...

Por enquanto, vou pensando mesmo é nas coisas mais simples, como um milho verde cozido, com manteiga à beça. Ou uma viagem à Lisboa, muito bem acompanhada. Ou um mergulho no Oceano Atlântico, quando o mar está bem calminho, com temperatura entre 24 e 25 graus e um calor de rachar no Rio de Janeiro. Ou um bom vinho, entre amigos ou entre amores, no frio de Londres.

E você? O que faz você feliz?

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Edifício Argentina

Um amigo, nascido e criado nas redondezas de Botafogo, Flamengo e Laranjeiras, me garantiu que o prédio foi construído depois de 1980. Antes, ali existia uma casa onde funcionava o consulado argentino.

Minha memória emocional estava bem anterior ao ano de 1980, mas confio na minha fonte. Deve ter sido em 1981. Eu era uma menina de 11 anos, estudante de uma escola pública do Engenho Novo, cujo nome era de um general argentino, Sarmiento. Estávamos em plena ditadura militar.

Naquela época, era comum os alunos formarem filas no pátio de entrada do colégio e cantar três hinos antes de subir para as salas de aula: o Hino da Bandeira, Hino da Independência e o Hino Nacional, que era o que eu mais gostava. Sempre fui uma das melhores alunas de música, cantava todos os hinos com perfeição.

Por conta da minha performance no coral, numa determinada ocasião fui conovocada para ir cantar o Hino em uma solenidade no Consulado Argentino. Minha mãe precisou assinar uma autorização. Um ônibus com ar refrigerado, daqueles com poltrona em duas posições, e que era um verdadeiro luxo para a época, nos esperava na porta da escola, de manhã bem cedo.

Eu não sabia direito para onde iria e lembro que todos os demais alunos faziam muita bagunça dentro do ônibus. Eu não. Fui uma criança que levava muito a sério as recomendações da minha mãe: era para eu me comportar bem, pois estariam presentes diversas autoridades. Decidi colocar em prática o bom comportamento já durante o trajeto.

O ônibus parou na Praia de Botafogo, descemos todos e as professoras tentavam acalmar a turma em polvorosa. Subimos uns degraus e lembro-me até hoje da sensação. Acho que fora a primeira vez na vida que vi, de tão perto, um edifício tão moderno. Vidros fumê, mármore no chão e aquele jardim com imensas palmeiras dividindo a entrada. As crianças bagunceiras aquietaram-se diante de tamanha imponência. A partir dali o silêncio entre nós era tão grande, que os professores pareciam começar a ter receio de que não abriríamos a boca sequer para cantar.

Os elevadore enormes continuavam a nos impressionar. Chegamos em uma andar intermediário e fomos conduzidos a um salão imenso. Cheio de mesas redondas, arrumadas como nos hotéis de luxo. Sentamo-nos divididos. Em cada mesa cabiam 10 pessoas e, em cada uma, um professor dividia o espaço com as crianças.

Começaram a servir um lauto café da manhã. Garçons de luva nos perguntavam se queríamos suco, leite, chocolate. Depois passavam mais uns três garçons nos oferecendo bolo, pães, doces, brioches com queijo e presunto e frutas. Embora eu já estivesse acostumada a comer em restaurantes - programa usual dos meus pais com os filhos nos fins-de-semana- nunca estivera em um lugar com ritual tão suntuoso.

Tenho a nítida impressão ter sido ali que me apaixonei pela boa vida.

Olhava a vista do Pão de Açúcar, ouvia o tilintar dos talheres, copos e xícaras. Sentia o cheiro doce do chocolate quente e a sensação dos folheados de maçã e dos alfajores derretendo na boca.
Ali decidi: quero isso para mim a vida toda. Quero tomar café da manhã de frente para um cartão postal. Quero ter acesso ao belo, ao bom gosto, ao refinado.

Nunca pensei em abrir mão das coisas simples da vida e nem da 'suburbaneidade' que concede um traquejo fundamental para lidar com a vida numa cidade tão partida, e também no mundo afora. Mas senti, naquele dia, nos início da década de 80, que me transformaria numa cidadã do mundo, capaz de desfrutar com prazer desde um pagode na lage até uma festa black tie... e, tudo isso, devo ao Edifício Argentina, o mesmo que hoje vejo da minha janela... e que me tampa a visão do Pão de Açúcar...