sexta-feira, 12 de junho de 2009

Verduras, amor e as impossibilidades


Hoje é dia dos namorados e resolvi falar daqueles amores impossíveis. E nem me refiro aos dramas de rejeições e paixões não correspondidas pelas quais todo mortal comum já passou. Refiro-me àquelas circunstâncias, nas quais eventualmente nos encontramos, de sentir atração pelas “pessoas erradas”. Exemplos: o professor casado e muito mais velho; o amigo do filho e muito mais novo; o chefe; o namorado da melhor amiga; o porteiro do prédio; o atendente da lavanderia; ou o homem que pesa legumes no supermercado.


A gente não sabe explicar porque, mas sente aquela queimação na pele só de olhar para o cidadão. É tudo físico, químico, biológico, sei lá, mas o certo é que – talvez por sermos chimpanzés, mas chimpanzés racionais – tratamos logo de usar a razão e reprimir bem reprimido este raio deste sentimento.


Como sou tão chimpanzé como qualquer humano, é claro que também passo por isso. Tudo começou por causa de uma rúcula. Eu procurava por uma rúcula dentro deb um supermercado quando perguntei ao rapaz arrumando as caixas de legumes se realmente não tinha rúcula.


Este rapaz seria uma daquelas pessoas invisíveis, das quais nunca nos damos conta da existência, não tivesse ele olhado para mim com um olhar intenso e de cima abaixo e falado com voz de barítono “Eu vou arrumar uma rúcula bem bonita pra você”. Achei uma ousadia ele me chamar de você, mas gostei.

Depois de cinco minutos ele volta com as mãozinhas pra trás e “saca” o molho de rúcula, me entregando como se fosse um buquê de flores. O pior foi a minha reação. Eu fiz uma cara de surpresa e soltei “Ah! Que linda! “ (a rúcula realmente estava bonita). O moço sorriu de orelha a orelha e perguntou “Gostou?”. Eu disse “Adorei!”. Depois, cai em mim e fui ao caixa pagar. Mas desde então nutro uma paixão platônica pelo verdureiro.


Dias depois, acordo eu às 8h30 para fazer uma caminhada antes de o sol ficar insuportável. O dia estava lindo no Rio de Janeiro, o Aterro do Flamengo cheio de gente me faz acabar a caminhada feliz e com vontade de comer melancia. Dirijo-me até o supermercado Zona Sul da rua Marquês de Abrantes, sem a menor esperança de encontrar o verdureiro, afinal, são 10 da manhã e ele trabalha à noite.

Entro no supermercado e não encontro nenhuma melancia nas gôndolas. Pergunto a um rapaz que arrumava as tangerinas "Não tem melancia"?


Aí o rapaz fica olhando por cima da minha cabeça, como se tentasse entender o que alguém estaria falando por trás de mim, Viro e quem eu vejo? O "verdureiro" (na verdade “verdureiro” é um apelido sucinto para o homem que pesa os legumes do supermercado Zona Sul da Marquês de Abrantes, o da rúcula).

Viro de volta para o rapaz a quem perguntei originalmente sobre a melancia e ele me responde "Ele vai pesar para a senhora", apontando para "o verdureiro".


Mas não acabou ali a história. O raio da melancia não chegava e resolvi me ocupar pegando um pão, um litro de leite, tomando uma água de coco, enfim... finalmente surge "o verdureiro" carregando dois pedaços de melancia.

Perguntou se eu queria o maior ou o menor e pediu desculpas pela demora. Eu falei que não tinha problema, mas eu estava sem graça, com vontade de rir.


Aí, quando "o verdureiro" já pesava o pedaço escolhido o rapaz que tinha me atendido no começo grita "E aí, Levi (descobri o nome dele), botou adoçante pra ficar bem docinha", Levi responde "Claro, não tô de bobeira não". Senti meu rosto pegar fogo.Como não sabia o que falar disse "É , ela ( a melancia) está cheirosa".

Levi deu uma gargalhada e disse "É, bem cheirosa". Não sabia mais onde enfiar a minha cara. Ainda pesei um Kiwi e uma fruta de conde para disfarçar, e corri para o caixa. Mas a história não terminou.


Já no caixa aparece na tela, que vai mostrando o nome e o preço das coisas, a seguinte descrição de um produto: "Aipim Tipo exportação". Aí eu falei pra moça "Eu não comprei aipim". A moça olhou para a tela e foi na bolsa olhar o que ela tinha acabado de registrar. ERA A MELANCIA.


A moça do caixa vira-se para o rapaz que me atendeu originalmente e fala "Eu hein, quem pesou esta melancia aqui?". O rapaz responde "Foi o Levi". A mocinha continua "O Levi tá maluco? Pesou a melancia com o código do AIPIM, eu hein".


A minha sorte é que o Levi não estava mais na seção de legumes porque o cara deu um risinho muito do safado e procurou por ele com os olhos, certamente na intenção de fazer alguma piadinha. O pior foi a minha vontade incontrolável de rir. Pelo jeito o verdureiro pesou a minha melancia com a cabeça no aipim tipo exportação.


Agora me respondam: pode dar certo algo que começa com um buquê de rúcula e acaba com aipim tipo exportação?

terça-feira, 2 de junho de 2009

A última mensagem

Era o dia 1º de junho e ela acordou radiante. Aquele dia primeiro seria o primeiro dia de uma nova fase de sua vida. Tirou o filhinho, de um aninho ainda incompleto, do berço e o rodopiou cantando “Onde você estiver, não se esqueça de mim”, no melhor estilo Nana Caymi durante o especial do Rei...

Lá fora, a chuva caía como há muito tempo o Rio não via numa manhã, mas seu coração estava sob o efeito do Sol. Riu ao lembrar-se daquela cartomante, lá atrás no tempo, consolando-a pelo inconformismo do recente amor perdido.
– Minha filha, não se preocupe... esse homem de agora já passou. No momento você só vê trevas, mas o sol está a caminho.

Incrédula, não aguentava mais sofrer desilusões, no dia que o conheceu, rechaçou-o com todas as forças. Mas como um bom Sol, ele teve forças mesmo diante de nuvens carregadas. O tempo abriu e ela deixou o Sol entrar em sua vida.

As coisas não foram fáceis. Mudanças para o exterior, virar dona de casa de uma hora para outra, logo ela, tão profissional, tão cheia de talentos. Veio depressão, vieram ausências dele por excesso de viagens. O céu ficava nublado por vezes, mas o Sol sempre vencia.

Veio o bebê, vieram mais mudanças. Veio uma boa proposta de emprego para ela em outra cidade, vieram novos desentendimentos.

Mas naquele domingo, naquelezinho dia tão feliz, todas as nuvens pareciam ter sido dissipadas. Foi um dia de planos. Foi um dia de decisões. Ela pediria demissão, ele sugeriu ajudá-la a abrir um negócio na outra cidade.

Ele não queria que ela o levasse ao aeroporto, então, despediram-se quando táxi chegou. Ela correu para comprar o vestido, pois ele voltaria no Dia dos Namorados.

Mas naquele dia primeiro, conforme ela mesma previra, tudo seria transformado. Um telefonema, depois outro, depois outro e a confirmação como um rombo na fuselagem.

Por um momento pensara: “não, não...ele embarcou no voo das seis horas. Nnão, talvez no das sete e meia..." Correu para o celular. Lá estava a mensagem implacável:

31/05/2009 19h03 Voo saindo no horário. Bjs. Te amo.

Como ele estava com muito sono, ela respondeu:

31/05/2009 19h05 Te amo. Descanse em paz

Qual é o limite para suportar uma dor? A bela filha de espanhol me diz com lágrimas nos enormes olhos de Mangá:

– Almodóvar desta vez extrapolou...

Eu ainda consegui sorrir, mas nos abraçamos em soluços.

Quando nos conhecemos, brincava com ela a respeito do pai espanhol e dos episódios “almodovorianos” de sua existência. Dizia-lhe que o roteiro dos acontecimentos pelos quais passava era escrito pelo cineasta espanhol e mandado para o Destino. E ela sempre respondia
– Não minha amiga, se o Almodóvar filmasse minha vida, diriam que ele foi inverossímil demais...

O Sol se pôs ao norte do Atlântico. E desta vez teve não teve a menor graça...

Homenagem à amiga que perdeu seu amor no voo AF 447 da Air France e a todos os amigos, familiares e amores dos passageiros que lá estavam.