terça-feira, 20 de março de 2012

Palavras prontas

Qual é a etiqueta para um coração partido? Digo em termos de comportamento. A gente deve responder ao protocolar 'tudo bem', quando nos perguntam como estamos? Ou ao sermos perguntados 'como vai você', aproveitamos a deixa e desabafamos puxando das profundezas a mais sincera - e menos agradável - resposta. Posso responder 'nada bem, o mundo poderia acabar agora, está difícil dormir, acordar, comer, sorrir, trabalhar. Só quero chorar e me lamentar'.
Ah, mas ouse você ser sincero. Vai ouvir imediatamente, mesmo do mais bem intencionado e querido amigo, algo como 'para de drama, tanta gente morrendo de fome por aí, o Oriente Médio explodindo em conflitos e você se lamentando porque um namoro acabou? Francamente..."
Então, já que não temos direito de expressar a tristeza, fiquemos reservados. Em casa, chorando na cama que é lugar quente (já diziam as bisavós de nossos filhos).
Ah, mas atreva-se você a não comparecer ao aniversário do melhor amigo no barzinho mais animado da cidade. Os apelos quase intimatórios soarão como tambores rufando. " Você não pode se entregar, precisa sair, ver gente, estar entre gente querida". Aí você cede ao apelo, se comporta direitinho, mas o primeiro desavisado que não o vê há meses solta a célebre frase "Aê, vi suas fotos no Facebook. Tá no maior love, hein? Cadê o felizardo". As suas fotos posando de casalzinho não estão mais nas redes sociais há séculos, mas você responde que a história de amor já chegou ao end, sem direito a happy.
Então, prepare-se para escutar"Ah então não era para ser, bola para frente, a fila anda, você é maravilhosa, quem está perdendo é ele".
Ahã. Avisa isso aí tudo para um coração em frangalhos, que não decodifica tanta desqualificação daquele por quem o músculo involuntário insiste em pulsar.
Na verdade, as pessoas, mesmo quem mais nos quer bem, não estão preparadas para exercer a empatia. Muitas vezes, o coração partido só quer ser ouvido e ter um ombro amigo para chorar. Mas na era da autoajuda, das religiões de resultado e da felicidade comprada em tarja preta, putz, como é difícil conseguir um colo. Um colinho daqueles quentes, no qual só vamos receber um cafuné escutar "Isso passa, acredite, um dia passa..."
Um coração partido que consegue se levantar da cama, tomar banho, trabalhar, ir ao cinema, fazer exercícios físicos e até se alimentar deve merece mais do que palavras prontas. É preciso muita coragem e muito espírito de luta para não perder a dignidade quando se é abandonado por quem se ama. Portanto, não é justo exigir além de tudo que paremos de chorar, só porque você aí do meu lado não segura a onda de me ver sofrendo. Sinto muito por você. Mas é porque sinto muito mais ainda por mim.

quinta-feira, 1 de março de 2012

Se eu soubesse que seria nosso último dia...

Teria entrelaçado com mais força minhas pernas nas suas
Teria mostrado fotos de mulheres nuas
Teria prolongado o beijo de despedida
Teria feito receita nova de comida
Não teria lavado os lençóis e nem o travesseiro
Teria eternizado na cama o seu cheiro
Não teria desperdiçado tanto tempo na fila do supermercado
Teria sido engraçada mais um bocado
Teria te comprado um presente
Teria te abraçado de repente
Para te ver sorrir, teria imitado mais vezes aquela atriz
Teria sentado no banquinho da Praça Paris
Teria dito menos ‘eu te amo’
Não deixaria você perceber quando reclamo
Se eu soubesse que seria nosso último dia
Teria comprado um estoque de analgésico
Teria terminado esse poema assim
Por que nosso amor não combina com fim