sexta-feira, 30 de novembro de 2007

"Precisamos falar sobre Kevin"...

...é o título de um livro, da escritora americana Lionel Shriver. A obra, de ficção, conta a história da mãe de um adolescente responsável pelo massacre de colegas em sua escola.

Ainda não li o livro. Gostei da resenha. Parece que a história desconstrói bastante o mito da maternidade. Gosto de quem derruba mitos.

No caso da maternidade, creio que as mães não podem reclamar. Os conceitos pré-concebidos a respeito da maternidade são todos, absolutamente todos, favoráveis aos estado quase celestial da condição de mãe. Quando todos, absolutamente todos nós, sabemos que ser mãe não é este mar de delícias e amor imaculado.

Precisamos falar sobre preconceitos. Dos bons e dos maus. Tanto dos que enaltecem – como no caso das mães – como dos que denigrem.

Tenho ouvido algumas coisas e ficado quieta. Tenho ouvido outras e me manifestado, mas aí crio celeuma e chateio amigos queridos. Tenho ouvido coisas que me incomodam, vindas de amigos queridos ou de gente com quem convivo, por questões de trabalho ou atividades diversas.

Este post ficará um pouco maior do que eu imaginava. Mas é preciso falar sobre isso. É preciso falar da colega de trabalho contando que a irmã, recém-chegada a Londres para morar, não gostou do curso de inglês no qual se matriculou porque “só tem homem-bomba”, referindo-se aos colegas de turma, provavelmente imigrantes, como ela, mas de proveniência árabe que querem o mesmo que os brasileiros brancos e bem-nascidos: uma vida melhor em um país mais justo.

É preciso falar sobre o comentário de outro colega sobre a recente reportagem no programa “Fantástico”, da TV Globo, no qual Regina Casé vai até a periferia de Paris mostrar imigrantes africanos, todos negros, que são endinheirados e gostam de ostentar. “Coisa de preto mesmo aquele sapato todo brilhoso”.

Precisamos falar do comentário de uma executiva, considerada excelente em gestão de pessoas, dentro de uma sala de reunião somente com diretores e gerentes, a respeito de uma funcionária, casada que se supunha viver um romance com outro funcionário, também casado. “É uma piranha. Pra mim mulher que sai com homem casado é piranha”.

Precisamos falar sobre o amigo querido que, ao contar uma história, refere-se a pessoa que acabara de conhecer descrevendo sua aparência. “Era preta, bem preta e tava vestida com um taiuller vermelho. Parecia uma bandeira do Flamengo ambulante”.

Precisamos falar de uma amiga assumindo para outra seu preconceitos, porque a segunda acha o boy da empresa um homem interessante.

Precisamos falar de quem acha que usar bota com vestido curto se veste como uma pistoleira.

Precisamos falar sobre quem acha que o seu namorado extravagante, que usa óculos escuros à noite, não poderá freqüentar a casa da amiga chique.

Precisamos falar sobre a mulher, executiva de uma empresa, que foi demitida de sem nenhum motivo objetivo. Mas ela vivera um romance com um funcionário, mais novo que ela nove anos, hierarquicamente inferior e ainda por cima, negro.

É preciso falar da mulher que se separa do “marido perfeito”, educado, estável financeiramente, trabalhador e bom caráter, mas que não fazia sexo com ela. É preciso falar que ela ouviu coisas do tipo “Ah, mas sexo se arranja. Hoje em dia todo mundo trai.Um homem como esse vai ser difícil encontrar para casar, viu?”

Precisamos falar sobre esta questão. Uma vez veiculou um comercial na TV que perguntava “Onde você esconde seu preconceito?”. Nunca tinha parado para pensar na consistência dessa pergunta. Todas as pessoas aqui citadas têm nível superior e sabem se comportar muito, mas muito bem mesmo. Não são pessoas mau-caráter, pelo contrário. Todas honestas, trabalhadoras, fazedoras do bem. Mas dentro, lá no fundinho de cada uma, existe um preconceito. Ele vem à tona em conversas informais, geralmente.

Sei o quanto este post pode parecer hipocrisia. Nem tenho intenção de me colocar em um estado de vida superior. Apenas preciso falar que não sinto desta forma. Para miim, maternidade é uma pedreira e tem muita coisa ruim nesse processo de criação de outro ser humano; para mim fazer um curso de inglês com um monte de árabes seria o máximo, uma boa oportunidade de conhecer gente de cultura tão distinta; para mim sapatos prateados e brilhosos ficam bem em qualquer pessoa, de qualquer cor, basta que tenham estilo, aliás nem precisa de estilo: basta que a pessoa ande com a indumentária que quiser, eu realmente não me incomodo com a vestimenta de ninguém; para mim mulher casada que sai com homem casado não é piranha, a não ser que ela cobre pelo “serviço”; para mim, em geral, pouco importa a cor da pessoa, quem me conhece e presta atenção sabe que eu costumo falar das atitudes das pessoas quando me refiro a alguém.

Por isso a colega de trabalho malcriada pode até ser feia, mas comento sobre sua aparência de maldade, depois de já tê-la conhecido o suficiente para não mais prejulgar. O chefe usar gravata exótica eu até acho bacana, quando comento o que não gosto geralmente são dobre suas atitudes. E por aí vai. O modo como a pessoa age, a postura diante da vida, a honestidade e o caráter contam muito para mim. A aparência ou a opção sexual ou a deficiência física vêm depois.

Antes que me execrem em praça pública: sim eu seguro a bolsa mais forte quando um monte de moleques pretos e descalços aproxima-se de mim nas ruas da cidade; sim eu fecho o vidro do carro quando vejo os limpadores de vidro ou os mesmos moleques pretos e com roupas esfarrapadas. Sim eu faço. Da mesma forma que abordo o camarada branco e bem nascido que tenta furar a fila do cinema e o chamo de sem-educação. Seriam minhas atitudes preconceituosas? Prejulguem!

Tive a boa sorte de ser criada em uma família na qual meus pais sempre receberam em casa os amigos gays, pretos, mais pobres que nós, mais ricos que nós, de olhos azuis, filhos do porteiro, filhos de industriais, deficientes fiscos, perfeitos, louros de olhos azuis, mulatos de olhos pretos, com cabelo pintado de azul, com piercing na língua ou tatuagem no pescoço. Budistas, cristãos e ubandistas. Usuários de drogas, liberais e conservadores. Quem votava no PT ou no PRN. Quem fazia aborto e depois ía à igreja se confessar.

Fui ensinada a tratar bem todo mundo e sempre dar uma chance antes de prejulgar. Fui ensinada a compreender que não tenho nada a ver com a vida particular de ninguém. Fui ensinada a achar interessante quem foge dos padrões. Fui ensinada a ser aberta ao mundo. Aprendi muito e desaprendi um bocado também.

Tem um preço ser assim. Tentar não ser hipócrita, tentar tratar bem quem todo mundo odeia, tentar tratar de forma justa quem todo mundo baba o ovo. Tentar o tempo todo. Mas é preciso sentir, e não apenas se comprtar como alguém deprovido de preconceito. Eu, confesso e é difícil confessar porque sei que vão me jogar ovos: não sinto preconceito. O verbo é esse mesmo "sentir". Eu realmente não sinto que a pessoa é piranha porque tem amante ou que é brega porque usa roupas exóticas, que eu não usaria. Não me uso como referência o tempo todo. Talvez esse seja o segredo, não sei...

No meu entendimento o preconceito do mundo só vai acabar quando mudarmos a forma de sentir.

No meu entendimento, é uma questão de hábito, de exercício diário mesmo.

Precisamos mudar nossos conceitos pré-concebidos.

7 comentários:

Antonio Santo disse...

Ufa! Grande mesmo, hehehe. Consistente e contundente, de acordo com sua forma de agir/pensar sempre.
Não dá para avaliar cada uma das situações citadas por você, principalmente a sobre maternidade. Mas ouso dizer que maternidade, paternidade, amizade, ou qualquer outro "ade", tem origem em uma relação entre pessoas. E claro, pessoas não são uniformes, basta olhar para seus colegas ao lado, que mesmo vivendo situações de trabalho, cor, sexo, poder aquisitivo, etc. idênticas, serão sempre diferentes. E isso faz com que cada uma dessas relações, sejam particulares, minha amizade contigo é única, pois não é a mesma com outra pessoa. Lidamos com nossas pequenas idiossincrasias e construímos um ambiente só nosso, que vai crescer a cada momento que nos conhecermos mais.
Muitas das vezes falamos coisas, simplesmente para enfatizar uma idéia, para ilustrar melhor uma história, não porque realmente sejamos preconceituosos, ou que aquele comentário define nossa conduta com o outro. Ghandi disse "que nossos atos falam muito mais de nós do que nossas palavras", e eu concordo com ele. Falamos muita besteira às vezes somente para fazer parte da turma, mas no dia que realmente colocarmos essas palavras negativas ou não politicamente corretas em prática, ai sim, temos que chamar o Xerife!
Imagine uma história, que quer ser engraçada contada todinha politicamente correta? Beijos e até a próxima!

Anônimo disse...

...precisa de falar de você mesma, Ana Paula. Quantas pedras você atira para falar de outros! No dia em que deixar de ser uma pessoa fantasista e egoísta, pode disparar... Enquanto esse dia não chega, trate de tomar vergonha na cara e reflita sobre sua vida, sobre o mal que faz a pessoas integras, sobre os abusos que comete.
Esse seu exibicionismo idiota serve apenas para manter você no fundo do poço.
M.T.

Unknown disse...

"Tentar o tempo todo". É assim que deveríamos mesmo fazer, amiga. Tentar sermos melhores, tentar não ter preconceito, tentar... Disto é feito é a vida.
Bjs e boa noite!

Guilherme Montana disse...

Enfim, você leu o livro? É fantástico.


PS: Ótimo post.

Histórias de Marketing disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Simone disse...

Só um alerta para enriquecer o seu brilhante texto: não se trata de OPÇÃO sexual e sim orientação sexual. Se opção fosse, poderíamos mudar como se trocássemos de roupa ou de cor de cabelo... Não acontecece assim, apenas somos e sentimos e experienciamos o amor...não é opção, concorda? 

Ana Paula Cardoso disse...

Simone, certíssimo. Obrigada pela contribuição!