quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Tudo que eu queria te dizer

É o nome do livro que ganhei de presente no Natal, de autoria da Martha Medeiros. Para quem nunca ouviu falar da escritora gaúcha, trata-se da autora , dentre tantos outros livros, da obra "Divã", que acabou se transformando em um monóligo de sucesso, sustentado nos palcos pela talentosa atriz Lília Cabral.

Confesso que minha ignorância bairrista só permitiu conhecer Martha Medeiros quando ela passou a escrever no jornal carioca O Globo. Foi amor à primeira leitura. Aos domingos, recebo o jornal e a primeira providência é abrir a revista e procurar pela crônica da Martha, mas nunca tinha lido um livro dela.

Estou encantada. Já teria devorado o livro, não fosse o fato de nao querer chegar ao fim. Aí vou lendo aos poucos, degustando as verves, refletindo em cada conto. Sim, é um livro de contos - pelo menos essa era a proposta - em formato de cartas. Cartas de despedida, cartas de acertos de conta, cartas de amor, cartas de desabafo.

Com sensibilidade e maestria, a escritora passeia pelas angústias humanas mais lancinantes. Além de tudo, pelo menos para mim, as cartas, aquelas que escrevíamos em papel antes do advento da internet, têm sempre uma carga simbólica. Ninguém mais escreve cartas. Talvez apenas os suicidas, antes do ato mais extremo de acabar com a própria vida...

Fiquei com vontade de voltar a escrever cartas. Tenho tanto a dizer a tanta gente e acho realmente que as palavras faladas o vento leva. Já os registros nascidos da junção de tinta e papel podem ficar guardados em caixas, durante anos. Nada apaga o valor daquele momento, único, em que a carta foi escrita.

Para completar, em sua crônica, da Revista do Globo no último domingo, Martha Medeiros disse
Tudo o que eu queria dizer sobre o amor. Resolvi transcrever , na íntegra, para os senhores saborearem um pouco do talento desta escritora:

ABSOLVENDO O AMOR

Duas historinhas que envolvem o amor.Uma mulher namora um príncipe encantado por dois meses e então descobre que ele não é príncipe porcaria nenhuma, e sim um bobalhão que não soube equalizar as diferenças e sumiu no mundo sem se despedir. Mais um, segundo ela. São todos assim, os homens. Ela resmunga que não dá mesmo pra acreditar no amor.

Peraí. Por que o amor tem que levar a culpa por esses desencontros? Que a princesa não acredite mais no Pedro, no Paulo ou no Pafúncio, vá lá, mas responsabilizar o amor pelo fim de uma relação e não querer mais se envolver com ninguém é preguiça de continuar vivendo. Não foi o amor que caiu fora. Aliás, ele talvez nem tenha entrado nessa história. Quando entra, é para contribuir, para apimentar, para dar sabor, para fazer feliz. Se o relacionamento não dá certo, ou dá certo por um determinado tempo e depois acaba, o amor merece um aperto de mãos, um muito obrigado e até a próxima. Fique com o cartão dele, com os contatos todos, você vai chamá-lo de novo, vai precisar de seus serviços, esteja certa. Dispense namorados, mas não dispense o amor, porque ele estará sempre a postos. Viver sem amor para sempre é azar ou incompetência. Mas não pode ser uma escolha, nunca. Escolher não amar é suicídio simbólico, é não ter razão para existir. Não me venha falar de amigos e filhos e cachorros, essas compensações amorosas sofisticadas, mas diferentes. Estamos falando de homens e mulheres que não se conhecem até um dia, uau. Acontece.

Segunda história. Uma mulher ama profundamente, é amada profundamente, os dois dormem ambolados e se gostam de uma forma indecente, de tão certo que dá a relação, e de tão gostosa que são inclusive as brigas. Tudo funciona como um relógio que ora atrasa, ora adianta, mas não pára, um tiquetaque excitante que ela não divulga para as amigas, não espalha, adivinhe por quê: culpa. Morre de culpa desse amor que funciona, desse amor que é desacreditado em matérias de jornal e em pesquisas, desse amor que deram como morto e enterrado, mas que na casa dela vive cheio de gás e ameaça de ser eterno. Culpa apobre mulher sente, e mais; sente medo. Nem sabe de quê, mas sente. Medo de não merecê-lo, medo de perdê-lo, medo do dia seguinte, medo das estatísticas, medo dos exemplos das outras mulheres, daquela mulher lá do início do texto, por exemplo, que se iludiu com mais um bobalhão que desapareceu sem deixar rastro - ou bobalhona foi ela, nunca se sabe. Mas o fato é que terminou o amor da mulher lá do início do texto , enquanto que essa mulher de fim de texto, essa criatura feliz e apaixonada, é ao mesmo tempo infeliz e temerosa porque sente aquilo que tanta gente busca e pouco encontra: o tal amor como se sonha.

Uma mulher infeliz por amor de menos, outra infeliz, e o amor injustamente crucificado por ambas. Ele, coitado, sendo acusado de provocar dor, quando deveria ser reverenciado simplesmente por ter acontecido na nossa vida, mesmo que sua passagem tenha sido breve. E se não foi, se permaneceu em nossa vida, aí nem se fala. Qualquer amor - até aqueles que a gente inventa - merece nossa total indulgência, porque quem costuma estragar tudo, caríssimos, somos nós."
Martha Medeiros - Jornal O Globo, Revista O Globo pág.:18 - 13/02/08)

3 comentários:

Antonio Santo disse...

Como é bom receber de presente algo que realmente apreciamos, e melhor ainda, tornamos público de tão orgulhosos que ficamos, não! Risos.
Não li o livro ainda, pretendo fazê-lo em breve, pois foi você quem me apresentou a autora e como você, curto muito ler coisas engrandecedoras e complementadoras para a formação do nosso EU.
Um grande beijo!

Unknown disse...

Menina, eu li este texto no domingo e adorei! Principalmente a parte que diz que devemos pegar todos os contatos do amor, porque vamos precisar dele de novo, um dia. Eu guardei o cartão junto com meus outros milhares de cartões, espero encontrá-lo (o cartão, o amor), quando precisar, quando parar de chover saudade...
Adorei ver o texto aqui.
Bjs, bjs, bjs!
Alessandra

Anônimo disse...

Queria saber o seu email para enviar uma sugestao! carlasilvadias2@gmail.com