segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Ciúme retroativo

Acontece mais ou menos assim: estamos com a pessoa amada, numa boa, conversando sobre trivialidades e aí surge aquela história do passado, só para ilustrar algum contexto da conversa. E aí você acaba sabendo da vizinha casada, que deu tanto mole para ele, que acabou parando num motel com o seu amor, quando, é claro, ele nem sonhava em se tornar o seu amor. Até aí, tudo bem. Não fossem o dia e hora do encontro fortuito com a tal, os mesmos dia e hora de um jogo da Seleção, em plena Copa do Mundo.

A partir daquele momento, a vizinha passa a ser a mulher mais importante da vida dele antes de você. Não importa se ele tem ex-mulher, a mãe dos filhos dele ou a primeira namorada, com quem ele rompeu com suavidade a fronteira da inocência. Não. A vizinha sedutora, avassaladora, despudorada, ousada, que largava marido e filhos para refugiar-se nos braços de um amante, garoto que viu crescer na casa ao lado, passa a ser a fulana que mexeu com os instintos mais primitivos dele. É a deusa arrebatadora que o fez esquecer a paixão nacional em prol de outra paixão nacional.

É assim que nasce o ciúme retroativo. Não importa se aquela mulher nem é tão bonita, não estuda francês ou leva uma vida menos interessante que a sua. Você só pensa se na próxima Copa ele vai fazer amor contigo durante um jogo da seleção. Por que, se não fizer, ‘ahhh, fazia com a vizinha’. Mas, se fizer, ai se fizer, ‘ahhh, ele já fez isso, nem é porque sou especial’. Não tem saída. Uma vez empossada como fantasma que nos incomoda, para sempre fantasma.

Não importa se ele faz juras de amor à luz da lua. Se ele te pediu em casamento nos primeiros acordes de ‘Hey Jude’, no show do Paul McCartney - em Londres. Não interessa se ele disfarçou e foi à feira para comprar melão e volta com um buquê de rosas. Não importa se ele te apresentou à família, aos amigos, levou você e sua mãe ao show do Roberto Carlos. Não.

A ideia de alguém que você ama ter feito com outro alguém aquilo que você tem certeza ( e já estava até conformada) de que ele não fará contigo, traz uma dor tão contundente quanto a da traição. A diferença é que a razão não alimenta essa dor e pode, assim, curar a doença. A única solução no caso do ciúme retroativo é agarrar-se vorazmente à razão.

Ciúme retroativo vem quando acreditamos que aquele outro lá do passado tinha que ser a gente. Ciúme retroativo advém do inconformismo. A mente humana não tem limites para trabalhar contra si própria. Ciúme retroativo é nocivo, porque faz vir à cabeça questionamentos absurdos como “Por que, raios, não era eu quem estava com ele na hora que desabaram as Torres Gêmeas???? Agora ele (a)vai lembrar da(o) fulana(o) todo 11 de setembro...”

O ciúme retroativo é pernicioso e machuca também por que não queremos ser passado de quem amamos. E se não queremos ser passado de quem amamos, sofremos por que ninguém jamais terá ciúme retroativo de nós...