quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Aliança

Cobertura de um evento de finanças. Várias atividades ao longo da jornada, diversas fontes interessantes e muito trabalho pela frente. O dia já estava terminando e faltava ainda a última entrevista programada. Tratava-se de uma fonte nova, mas de uma empresa velha conhecida. Explico: o antigo diretor era muito acessível e, depois que ele saiu, passei a ter uma certa dificuldade de falar com os técnicos e analistas desta companhia.

Minha missão era, portanto, arrancar umas aspas do novo diretor e, além disso, conquistá-lo como uma fonte novamente 'acessível' para o daqui pra frente. Venci o cansaço e dirigi-me à sala na qual o moço conduziria a palestra de fechamento do evento. Chego lá e me surpreendo. Quem estava palestrando era uma mulher, além de ser uma jornalista conhecida...senti-me meio perdida, olhei novamente no prospecto para ver se estava na sala certa e devo ter feito uma cara tão desolada que acabei atraindo um cidadão, talvez com pena de mim :
- Posso ajudar?
- Eu tava procurando a palestra do...
- Eu sou o ..., mas cedi lugar à esta nossa cliente...etc...etc...
Eu me apresentei e ele imediatamente se colocou à disposição para entrevistá-lo. Saímos da sala, peguei o gravador e só então reparei no homem.
Era a versão do Fábio Assunção, nos tempos pré-Amy Winehouse, só que com 1,90 m de altura!
Aí eu fiquei nervosa.
Para completar a situação, o bem disposto novo diretor daquela conceituada corretora de valores começou a falar com um sotaque muito familiar. Em cinco minutos, eu não prestava mais atenção em nenhuma projeção econômica, tampouco entendia qual seria sua opinião sobre os investimentos em tempos de crise. Para completar o 'mico' balbuciei em voz alta, no meio da entrevista:
- Você é português...
Ele parou de falar, meio atônito, riu e disse:
- Sim, sou.
- Bem que eu desconfiava...esse seu nome... só poderia ser português...
Ele riu de novo, simpático que é, pois a esta altura já me dava como louca na certa.
Para completar o desastre, minha lente de contato resolveu sair do lugar e tive que interromper mais uma vez a entrevista. Ele , muito gentil, disse-me:
- Eu reparei no deslocamento de tuas lentes. Também uso lentes. Queres ajuda?
Pedi para ele segurar o gravador e abri a bolsa em busca de um espelho.
- Pronto - disse já mais recomposta, mas ainda ciente de que era impossível manter-me em estado normal de temperatura e pressão diante daquela boca desenhada pela mais inspiradora das divindades. E que, ainda por cima, emitia aquele sotaque desconcertante e inebriante.
Terminei a entrevista e precisava de fotos . Ele me convidou para ir até o estande. Tirei umas dez fotos do gajo e já estávamos a falar de Vinho do Porto quando ele me entregou seu cartão e eu vi a aliança, bem proporcional ao tamanho das mãos do sujeito.
Imediatamente recobrei meus sentidos.
Se tivesse visto a aliança antes, a entrevista estaria salva...

sábado, 22 de novembro de 2008

Era para ser um dia como outro qualquer...

...mas seus olhares cruzaram-se de forma diferente. Não se reconheceram de cara. Já fazia muito tempo desde a última vez em que se admiraram. O primeiro impulso foi de hesitação. O desvio de olhar foi inevitável. Há algo de adolescente em todo reencontro e o primeiro pensamento sempre é "estou apresentável?". Em frações de segundos, blasfemamos o calçado escolhido no dia e a mão, involuntariamente, dirige-se até cabelo. Ajeitar o cabelo é a simbologia, expressa em gesto, daquilo que queríamos ajeitar se pudéssemos voltar no tempo. A gavetinha empoeirada das sensações guardadas abriu-se no instante imediato no qual decidiram voltar o olhar um para o outro novamente. As sobrancelhas franziram-se. Fingiram um reconhecimento gradual, como se puxassem da memória, com um certo esforço, todas as lembranças já transbordadas pelos poros. Ela foi a primeira a sorrir. Usou a estratégia do sorriso a vida inteira e conservou seus dentes até a maturidade para não abrir mão de sua arma mais eficaz. Mas foi comedida para não acentuar as rugas. Neste momento lembrou-se da falta de viço de sua pele e entristeceu-se. Ele , decidido como nos velhos tempos, correspondeu ao sorriso andando em passos firmes na direção dela. Uma das mãos já se estendida para tocar-lhe os ombros, a outra ajeitava os poucos cabelos que restavam, molhados pela chuva, a mesma chuva que os levaram para dentro daquele lugar, para o abrigo no qual o destino reservara-lhes uma surpresa.
- Nossa, você não mudou nada...
Ela esqueceu-se das rugas e quase gargalhou.
- Também veio abrigar-se da chuva?
- Pelo jeito não vai parar nunca... como vai você, menina?
Ela esquecera que ele a chamava de menina. De fato, era uma menina quando se conheceram. Ela 14 anos, ele 18. Tanto tempo, tantas águas roladas, tantas experiências, tantas sucessos e dissabores, tantas frustrações e realizações... De que vale tanta vivência se a vida só faz sentido em momentos como o de agora? Ser chamada de menina pelo primeiro homem que amou na vida e que, no auge da inexperiência e da mudança hormonal intensa, jurara ser o único e para sempre.
Mas aprenderam, com uma música do tempo em que se conheceram, que o para sempre sempre acaba.
Acabou ali, quando trocaram diversas informações sobre o tempo presente.
E ao se despedirem, a chuva passou e a noite veio.
E o dia terminou como um outro qualquer...

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Classificados

Mulher bonita e com muito bom humor procura
boa companhia para cinema e beijo na boca.

Boa companheira, não afeita a "joguinhos" emocionais. Adora tratar bem quem se relaciona com ela. Gosta das coisas boas e simples da vida, mas não descarta uma pitada de requinte eventual.
Corpo bonito e bem distribuído. Carnuda e sensual. Longe dos padrões de beleza vigentes, não é magrela e ossuda. Mulher do mundo real: saudável, com um belo sorriso e do tipo mulherão. Faz bonito no social e na intimidade.
Gosta de ser bem tratada. Elegância e educação são palavras de ordem para ela.
Quanto à aparência, suas exigências são poucas: deve ser mais alto que ela, saudável de corpo e alma, limpo e com dentes bem cuidados. Aprecia homens másculos e gentis ao mesmo tempo. Sabe tratar-se de características de difícil conciliação, mas você é especial, não é?
Indipensável gostar de futebol. E como já ficou claro no começo deste anúncio, faz-se necessário apreciar um bom filme. E um bom beijo.
A quem atender os requisitos, favor marcar encontro em breve, num cinema perto de você.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Perplexidade


Sei que nem deveria mais chocar-me com certas coisas, mas...

Andam engasgados em minha garganta a emoção, o desconforto, a mágoa e a revolta diante de mais um ato brutal contra uma criança neste país (embora saiba que crianças sejam vítimas de violência no mundo inteiro).


A violência sexual, seguida de assassinato de uma menina de 9 anos, em Curitiba. O nome dela é Rachel Genofre e seu corpo foi encontrado no porta-malas de uma carro na Rodoviária da capital paranaense, na última quarta-feira.


Sei que correm em paralelo diversos outros casos de violência contra crianças.


Mas a morte de Rachel me tocou de forma especial.


Talvez porque tenha passado tantas vezes pela rodoviária de Curitiba, pois era onde eu fazia baldeação para pegar um ônibus para Blumenau, quando morava lá e voltava de ou ía para o Rio passar férias ou feriado. Achava a cidade bucólica e a rodoviária local era limpa, dava para sentar em um café e comer um pão na chapa e tomar um café com leite sem sentir nojo, tão diferente da rodoviária Novo Rio...


Talvez porque a menina tenha a idade da minha sobrinha mais nova e fosse até parecidinha com ela, com aquela carinha de índia...


Talvez porque eu tenha ficado deveras sensibilizada com o fato de ela voltar todo dia para casa sozinha depois da escola, tão pequenininha, com apenas nove anos...


Lembrei de mim mesma, com sete anos, voltando da escola sozinha, porque meus pais trabalhavam o dia inteiro e ficamos um tempo sem empregada e meus irmãos estudavam em horários diferentes. Lembro de ficar com medo, de sempre tentar ficar bem perto de umas senhorinhas, na intenção de fingir que estava acompanhadas delas..


Do que tinha mais medo? De seqüestro, de rapto.


Tinha pavor das histórias de homens e mulheres que roubavam crianças - e é claro que sempre havia alguma criança mais velha disposta a contar algum 'caso' apavorante , de tirar meu sono...


Eu me entristeci demais com essa morte.


As crianças deveriam ser protegidas e nada de mal deveria acontecer-lhes.

A história da Rachel é terrivel porque tem os componentes da viloência abrupta contra a ingenuidade, conra os sonhos, a violência praticada desde que o mundo é mundo. Acho que me entristeci mais porque estamos diante de fatos tão absurdos como pai matar filha, mãe espancar bebês ou abandoná-los nos lixos, namorado matar namorada, que o fato de uma criança ter sido violentada e morta por alguém que não foi nem o pai e nem a mãe causou em mim uma dor muito mais profunda.


Estou escrevendo aqui sobre isso motivada por um comentário de uma estagiária da escola onde a menina estudava. Segue:

"Quando acontece longe, você diz: 'ah, tudo bem aconteceu', todo mundo sente, mas quando é do teu lado você sente mais. Quem é mãe sabe disso"


Curiosamente estou bem longe da Rachel.

Curiosamente não sou mãe.

Curiosamente sinto mais do que senti com outros tantos casos recentes.


Não sei explicar, mas este caso está causando uma comoção mais silenciosa, mas não menos dura e dilacerante.


E sabem o que penso? Não há justiça no mundo capaz de compensar uma vida ceifada desta forma.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Palavras que não existem no dicionário

Ando sem inspiração, ocupada e cansada. Meus 20 leitores já devem ter desistido. Pensei em fazer uma enquete, apostar na interatividade e pedir sugestões sobre quais assuntos são pertinentes para colocar em um blog...me deu vontade de falar do Fernando Sabino, um dos meus autores preferidos , que era prodigioso em momentos de falta de inspiração.
Não sou o Sabino. O mais próximo que estive dele foi em uma entrevista em sua casa, em 1990, na qual eu estava tão nervosa, mas tão nervosa, que pareci uma retardada no vídeo. Sorte que ele foi com a minha cara e desembestou a falar. Tenho a entrevista em vídeo e há anos tento levar a algum lugar e passar para DVD, para colocar um vídeo aqui...quem sabe vira uma promessa de fim de ano. Depois meu irmão namorou a Mariana, uma entre os sete filhos do escritor mineiro. Até hoje eles são amigos e eu a encontrei sábado passado, na Feira da Rua do Lavradio. Aliás, seria um outro bom assunto, a feira é ótima, a gente encontra um bocado de gente conhecida querida, ouve sambinha, chorinho e até canja do Dicró, comendo uma feijoada honesta em qualquer boteco que se resolva encostar. E por falar em música, hoje fui apresentada a uma que não conhecia. "Quatro Paredes", da Marisa Monte. Olha, eu nem curto a moça, mas confesso ter adorado o sambinha. Eu adoro ser apresentada a músicas, não sou de ouvir rádio, de pesquisar músicos novos, por isso conto com amigos para conhecer novas canções. A música tem tudo a ver com meu momento de vida. Sabe quando a gente quer decifrar umas coisas que se sente? Não sabe? Pois é..nem eu sei. Só sei que adorei o seguinte verso:" Procuro explicar o meu sentimento E só consigo encontrar Palavras que não existem no dicionário Você podia entender meu vocabulário Decifrar meus sinais, seria bom".
Seria bom se a gente fosse compreendida sempre, de cara, sem precisar falar, sem precisar procurar e usar as palavras certas. Eu queria que fosse igual à voz do atendimento eletrônico do provedor da internet. Adoro quando o robozinho do outro lado grita "Entendi!", quando você fala a frase "Linha com defeito" ou "Problemas de acesso à internet". Falei tão pouco e a moça eletrônica me entendeu...seria tão bom se eu soubesse botar arquivo de música aqui e todo mundo pudesse ouvir, mas não sei. Um dia aprendo. Enquanto não aprendo, vou tentando aprender com os clássicos...atualmente, minha companhia de cabeceira tem sido o centenário Bruxo do Cosme Velho. Creio me entender melhor com as palavras que existem no dicionário...