sábado, 22 de novembro de 2008

Era para ser um dia como outro qualquer...

...mas seus olhares cruzaram-se de forma diferente. Não se reconheceram de cara. Já fazia muito tempo desde a última vez em que se admiraram. O primeiro impulso foi de hesitação. O desvio de olhar foi inevitável. Há algo de adolescente em todo reencontro e o primeiro pensamento sempre é "estou apresentável?". Em frações de segundos, blasfemamos o calçado escolhido no dia e a mão, involuntariamente, dirige-se até cabelo. Ajeitar o cabelo é a simbologia, expressa em gesto, daquilo que queríamos ajeitar se pudéssemos voltar no tempo. A gavetinha empoeirada das sensações guardadas abriu-se no instante imediato no qual decidiram voltar o olhar um para o outro novamente. As sobrancelhas franziram-se. Fingiram um reconhecimento gradual, como se puxassem da memória, com um certo esforço, todas as lembranças já transbordadas pelos poros. Ela foi a primeira a sorrir. Usou a estratégia do sorriso a vida inteira e conservou seus dentes até a maturidade para não abrir mão de sua arma mais eficaz. Mas foi comedida para não acentuar as rugas. Neste momento lembrou-se da falta de viço de sua pele e entristeceu-se. Ele , decidido como nos velhos tempos, correspondeu ao sorriso andando em passos firmes na direção dela. Uma das mãos já se estendida para tocar-lhe os ombros, a outra ajeitava os poucos cabelos que restavam, molhados pela chuva, a mesma chuva que os levaram para dentro daquele lugar, para o abrigo no qual o destino reservara-lhes uma surpresa.
- Nossa, você não mudou nada...
Ela esqueceu-se das rugas e quase gargalhou.
- Também veio abrigar-se da chuva?
- Pelo jeito não vai parar nunca... como vai você, menina?
Ela esquecera que ele a chamava de menina. De fato, era uma menina quando se conheceram. Ela 14 anos, ele 18. Tanto tempo, tantas águas roladas, tantas experiências, tantas sucessos e dissabores, tantas frustrações e realizações... De que vale tanta vivência se a vida só faz sentido em momentos como o de agora? Ser chamada de menina pelo primeiro homem que amou na vida e que, no auge da inexperiência e da mudança hormonal intensa, jurara ser o único e para sempre.
Mas aprenderam, com uma música do tempo em que se conheceram, que o para sempre sempre acaba.
Acabou ali, quando trocaram diversas informações sobre o tempo presente.
E ao se despedirem, a chuva passou e a noite veio.
E o dia terminou como um outro qualquer...

Um comentário:

Lavinia Fernandes disse...

Vixe, vai largar o jornalismo para virar escritora!
Bonito texto.