terça-feira, 2 de junho de 2009

A última mensagem

Era o dia 1º de junho e ela acordou radiante. Aquele dia primeiro seria o primeiro dia de uma nova fase de sua vida. Tirou o filhinho, de um aninho ainda incompleto, do berço e o rodopiou cantando “Onde você estiver, não se esqueça de mim”, no melhor estilo Nana Caymi durante o especial do Rei...

Lá fora, a chuva caía como há muito tempo o Rio não via numa manhã, mas seu coração estava sob o efeito do Sol. Riu ao lembrar-se daquela cartomante, lá atrás no tempo, consolando-a pelo inconformismo do recente amor perdido.
– Minha filha, não se preocupe... esse homem de agora já passou. No momento você só vê trevas, mas o sol está a caminho.

Incrédula, não aguentava mais sofrer desilusões, no dia que o conheceu, rechaçou-o com todas as forças. Mas como um bom Sol, ele teve forças mesmo diante de nuvens carregadas. O tempo abriu e ela deixou o Sol entrar em sua vida.

As coisas não foram fáceis. Mudanças para o exterior, virar dona de casa de uma hora para outra, logo ela, tão profissional, tão cheia de talentos. Veio depressão, vieram ausências dele por excesso de viagens. O céu ficava nublado por vezes, mas o Sol sempre vencia.

Veio o bebê, vieram mais mudanças. Veio uma boa proposta de emprego para ela em outra cidade, vieram novos desentendimentos.

Mas naquele domingo, naquelezinho dia tão feliz, todas as nuvens pareciam ter sido dissipadas. Foi um dia de planos. Foi um dia de decisões. Ela pediria demissão, ele sugeriu ajudá-la a abrir um negócio na outra cidade.

Ele não queria que ela o levasse ao aeroporto, então, despediram-se quando táxi chegou. Ela correu para comprar o vestido, pois ele voltaria no Dia dos Namorados.

Mas naquele dia primeiro, conforme ela mesma previra, tudo seria transformado. Um telefonema, depois outro, depois outro e a confirmação como um rombo na fuselagem.

Por um momento pensara: “não, não...ele embarcou no voo das seis horas. Nnão, talvez no das sete e meia..." Correu para o celular. Lá estava a mensagem implacável:

31/05/2009 19h03 Voo saindo no horário. Bjs. Te amo.

Como ele estava com muito sono, ela respondeu:

31/05/2009 19h05 Te amo. Descanse em paz

Qual é o limite para suportar uma dor? A bela filha de espanhol me diz com lágrimas nos enormes olhos de Mangá:

– Almodóvar desta vez extrapolou...

Eu ainda consegui sorrir, mas nos abraçamos em soluços.

Quando nos conhecemos, brincava com ela a respeito do pai espanhol e dos episódios “almodovorianos” de sua existência. Dizia-lhe que o roteiro dos acontecimentos pelos quais passava era escrito pelo cineasta espanhol e mandado para o Destino. E ela sempre respondia
– Não minha amiga, se o Almodóvar filmasse minha vida, diriam que ele foi inverossímil demais...

O Sol se pôs ao norte do Atlântico. E desta vez teve não teve a menor graça...

Homenagem à amiga que perdeu seu amor no voo AF 447 da Air France e a todos os amigos, familiares e amores dos passageiros que lá estavam.

Um comentário:

Anônimo disse...

ai ana, arrepiei...
XX Odila