sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Tamanho G

Ela entrou numa dessas lojas populares. Entende-se por lojas populares aquelas cujos nomes em geral são fruto de estrangeirismo e tornam-se impronunciáveis para o público alvo, que logo lhes chama carinhosamente por apelidos como 'Lídi', 'Rêni' e por aí vai.

Outra característica marcante das lojas populares é a incrível capacidade de fidelizar os consumidores de ocasião.

Acontece assim: você entra naquela loja popular porque precisa de uma meia-calça preta para usar na reunião em São Paulo no dia seguinte, ou para comprar um top baratinho, porque matriculou-se na academia e descobriu que a sua última roupa de malhar ainda é do tempo em que se fazia ginástica.

Você entra lá porque está com pressa e nenhum vendedor vai ficar perguntando se não quer aproveitar e ver também o short amarelo da nova coleção, que 'super-combina' com sua meia-calça - ou com seu top.

Pois bem, ao chegar no caixa para pagar a única peça, eis que a atendente altamente preparada pergunta se você tem o 'nosso cartão'. Experimente dizer não e imediatamente aquele funcionário, com poder de argumentação das galáxias, o convencerá de que é impossível ser feliz sem ele (sem o cartão, não o funcionário).

Um dia, porém, a fatura do top chega em casa. Certamente você nem se lembrava mais daquela compra. Porque também é estratégia das lojas populares lançar promoções irrecusáveis, do tipo: compre antes do Natal para e pague somente depois do Carnaval.

E como a data de vencimento é sempre num daqueles dias improváveis, você esquece de pagar pelo internetbanking e descobre que agora só pode pagar em uma das lojas da rede.

E foi exatamente para este fim que ela entrou na loja popular da esquina de sua rua. Não havia muita gente na fila, e nem muitos caixas, mas ela pecisou aguardar. Subitamente, o último caixa lá longe é aberto e uma voz masculina grita 'próximo'. Ela foi levando seu extrato vencido e o rapaz pergunta.

- Vai pagar em dinheiro?

Como há uma placa enorme informando 'não aceitamos cheque' ela responde:

- Acho que não há outra forma, não é mesmo?

O rapaz ri e pede desculpas, enquanto outro funcionário que estava de costas, arrumando roupas atrás do balcão, olha para ela. O rapaz do caixa, pegando o dinheiro e preparando o troco começa a se justificar.

- Você, quer dizer, a senhora, quer dizer, não que a senhora seja senhora, mas é que aqui a gente tem que chamar de senhora...

Nisso o troco cai no châo. O outro rapaz, que até então arrumava as roupas no balcão, ajuda a pegar o dinheiro e, ainda abaixado, balbucia

- Seu problema é o tamanho G...

Até aquele momento, ela não se dera conta. Mas bastou virar as costas para o rapaz que arrumava as roupas continuar.

- Você não pode ver uma gordinha bonita que se descontrola todo...

Ela, já perto da porta, percebe que aquilo lhe dizia respeito. E pensa "Gordinha é a mãe. E obrigada pelo bonita". E sai percebendo um valor plus size nas lojas populares.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Repaginar é preciso

Banho de loja. Entrar na academia. Cortar o cabelo. Mudar de emprego. Adotar outra profissão. Sair da casa dos pais. Separação. Casamento. Reconciliação. Ter um filho. Morar em outra cidade, em outro país.
Quantas dessas decisões matam um pouco do que éramos e nos transformam em um outro do que somos.

Por tanto tempo ausente da blogosfera, retorno hoje. Retorno outra. Não por acaso, o layout foi completamente repaginado.
E para falar de mudança, falarei da morte. Menos ainda por acaso, hoje é Dia de Finados.

Este ano está especialmente doído para quem é jornalista. Tantos queridos e competentes colegas de profissão partiram para uma outra dimensão, que me faz pensar que lá em cima estão pecisando de reforço na editoria. Deve ser por conta do fim do mundo programado para o ano que vem, julgo eu.

Costumo encarar a morte com naturalidade inquietante. Inquietante especialmente para quem convive comigo. Não sei se por causa da literatura - ainda criança, li "A desistegração da morte", de Orígenes Lessa e passei a achar a morte necessária -ou se por causa da morte de um colega de turma. Ter ido ao primeiro enterro de sua vida aos 12 anos, no qual o morto tinha 14, mexe com sua visão sobe a única certeza da vida.

A aproximação precoce com a perda ajudou a encarar este fato da vida sem tabu.

Anos mais tarde, outro aprendizado. No enterro de uma morte repentina e inesperada do pai de uma amiga, ouvi da viúva "Nada podemos fazer contra a morte. Por isso devemos fazer tudo a favor da vida".

Sim. Todos os dias. A cada minuto. E nesse permanente estado de promover a vida e ser favorável a ela, não há tempo para lamentações.

Quem se foi, se pudesse voltar e nos dar um conselho, provavelmente diria: não chore pela minha ausência, viva a vida por mim! No meu limitado conhecimento, procuro homenagear os amados que se vão, vivendo cada vez melhor. Repaginando a vida, rediagramando os desejos, redesenhando as relações.

Transformarmo-nos na melhor versão de nós mesmos e doar nosso tempo a quem ou a o que realmente vale a pena, talvez seja o mais sensato a fazer para aceitarmos as despedidas.
Mas quem disse que é fácil?