segunda-feira, 2 de junho de 2008

Quero voltar para casa depois do trabalho

Toda profissão tem um pouco de corporativismo. Umas mais, outras menos. Entre os médicos, por exemplo, é praticamente impossível ouvir um falar mal de outro. Já na profissão de jornalismo, costumamos nos referir aos pares de labuta como 'coleguinhas'. Em rodas de chopp pós- fechamento das edições diárias, costumamos, sim, dar uma desevoluída espiritual e metemos o malho em vários colegas de profissão. Em compensação, somos uma classe extremamente solidária nos perrengues do dia-a-dia. Se uma fonte importante age com improbidade em relação a um repórter, a coletiva de imprensa tende a virar um motim. Boicote em celebridades que agridem fotógrafos, cinegrafistas e afins também é comum.

Ou seja, jornalista é uma classe tipicamente fraterna: entre os próprios são permitidas desavenças e alfinetadas, mas ai de quem mexer com seu semelhante.

Aí ontem a capa do jornal carioca 'O Dia' vem com aquele soco no estômago. Uma repórter, o motorista e o fotógrafo do jornal torturados por membros de uma milícia.

Primeira reação: dói 'pracaramba'. Vocês não imaginam o quanto. Ligo para os amigos que trabalham lá, querendo saber quem foi, se estão bem, etc...mas ninguém está podendo falar. Nem em celular e muito menos pelos telefones da redação.

Depois, fica aquela sensação de que ninguém está livre de passar por algo semelhante. Mesmo cobrindo economia. Sei de casos como o da colega que sofreu ameaça de um presidente de uma autarquia pública. O cidadão ocupa um cargo de confiança, foi nomeado pelo atual Governo e não gosta de que desconfiem de sua idoneidade. Ameaça velada, mas ameaça. Difícil de provar, impossível de prever. Outro colega vi ser mandado embora por simplesmente ter citado o nome de um político importante, desafeto da 'casa' onde ele trabalhava. Detalhe: o chefe havia autorizado a publicação da matéria, mas na hora de rodar, a cabeça que rolou foi do elo mais fraco.

Jornalismo é uma profissão de risco: por estarmos em busca da verdade, corremos sempre riscos. Seja o extremo de morrer ou ser torturada, passando pelos maus-tratos comuns do dia-a-dia até chegar ao risco de perder o emprego por ter falado bem ou mal de algum poderoso, ou simplesmene por ter tocado em algum nome 'proibido' naquele determinado veículo.Também o risco de a fonte dizer que não disse nada daquilo, que você distorceu tudo.

Casos como o do repórter americano que foi degolado pelo Al Qaeda, dos jornalistas fuzilados pelas ditaduras mundo afora, torturados pelas milícias e pelos traficantes de drogas mundo adentro, existem aos montes e viram lindas e tristes histórias quando tornam-se filmes ou livros. Na rotina diária dos profissionais de imprensa, porém, a realidade é árdua, infernal e muito pouco glamourosa. Mesmo quem está nos estúdios da TV, aparecendo lindo e enfeitado aos olhos de quem assiste, sabe o quanto é angustiante ter que ir para frente das câmeras, com cara de paisagem, para anunciar aquela reportagem no qual o seu colega foi ferido, assassinado ou no mínimo 'quase' aconteceu mil coisas ruins antes do material chegar na redação.

Mas nem por isso ganhamos insalubridade e nem por isso menos gente quer ser jornalista (é só ver a relação candidato-vaga das faculdades de comunicação). Temo por estar havendo uma certa ilusão. Nada contra reportagens investigativas, mas até que ponto vale à pena colocar a vida em jogo? Prêmio esso? Reconhecimento histórico? Será?

Não tenho respostas.

Só sei que tudo isso é muito triste e aí viajo, crio fantasias. O maior devaneio é pensar mesmo no jornalista super-heróis. A busca pela verdade deveria ser abençoada com a imortalidade. Deveríamos mesmo ser apenas o alter-ego de milhares de homens-de-aço que habitam os corações valentes dos bons jornalistas. Não seria ótimo se , depois que os milicianos da favela do Batan pegaram a equipe do 'O Dia', eles se transformassem em pessoas com super-poderes? No mínimo poderiam voltar voando para suas casas.

O slogan da Ordem dos Advogados do Brasil diz mais ou menos que sem advogado não há justiça e sem justiça não há democracia. Eu ousaria dizer que sem jornalista não há verdade, e sem verdade não há democracia. Doa a quem doer, por mais que falem mal da nossa classe, que digam que somos vendidos, burros, que não entendemos nada de nada, que só gostamos de aparecer...

É graça àqueles que ainda se esforçam e se arriscam que diversas verdades vieram à baila. E as outras instituições (justiça, polícia, funcionalismo público, empresários, etc..etc...) nada fizeram com ela. Aí não é nossa culpa. Nossa missão é revelar os fatos.

Hoje faz seis anos que Tim Lopes, jornalista da TV Globo, foi torturado, assassinado e teve o corpo queimado no, agora famoso, 'microondas' – pneus velhos icinerados que os traficantes utilizam para a barbárie.

Aniversário sem nada a comemorar. Apenas a lamentar mais um caso, semelhante ao que culminou com a morte de Tim.

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