terça-feira, 7 de outubro de 2008

Edifício Argentina

Um amigo, nascido e criado nas redondezas de Botafogo, Flamengo e Laranjeiras, me garantiu que o prédio foi construído depois de 1980. Antes, ali existia uma casa onde funcionava o consulado argentino.

Minha memória emocional estava bem anterior ao ano de 1980, mas confio na minha fonte. Deve ter sido em 1981. Eu era uma menina de 11 anos, estudante de uma escola pública do Engenho Novo, cujo nome era de um general argentino, Sarmiento. Estávamos em plena ditadura militar.

Naquela época, era comum os alunos formarem filas no pátio de entrada do colégio e cantar três hinos antes de subir para as salas de aula: o Hino da Bandeira, Hino da Independência e o Hino Nacional, que era o que eu mais gostava. Sempre fui uma das melhores alunas de música, cantava todos os hinos com perfeição.

Por conta da minha performance no coral, numa determinada ocasião fui conovocada para ir cantar o Hino em uma solenidade no Consulado Argentino. Minha mãe precisou assinar uma autorização. Um ônibus com ar refrigerado, daqueles com poltrona em duas posições, e que era um verdadeiro luxo para a época, nos esperava na porta da escola, de manhã bem cedo.

Eu não sabia direito para onde iria e lembro que todos os demais alunos faziam muita bagunça dentro do ônibus. Eu não. Fui uma criança que levava muito a sério as recomendações da minha mãe: era para eu me comportar bem, pois estariam presentes diversas autoridades. Decidi colocar em prática o bom comportamento já durante o trajeto.

O ônibus parou na Praia de Botafogo, descemos todos e as professoras tentavam acalmar a turma em polvorosa. Subimos uns degraus e lembro-me até hoje da sensação. Acho que fora a primeira vez na vida que vi, de tão perto, um edifício tão moderno. Vidros fumê, mármore no chão e aquele jardim com imensas palmeiras dividindo a entrada. As crianças bagunceiras aquietaram-se diante de tamanha imponência. A partir dali o silêncio entre nós era tão grande, que os professores pareciam começar a ter receio de que não abriríamos a boca sequer para cantar.

Os elevadore enormes continuavam a nos impressionar. Chegamos em uma andar intermediário e fomos conduzidos a um salão imenso. Cheio de mesas redondas, arrumadas como nos hotéis de luxo. Sentamo-nos divididos. Em cada mesa cabiam 10 pessoas e, em cada uma, um professor dividia o espaço com as crianças.

Começaram a servir um lauto café da manhã. Garçons de luva nos perguntavam se queríamos suco, leite, chocolate. Depois passavam mais uns três garçons nos oferecendo bolo, pães, doces, brioches com queijo e presunto e frutas. Embora eu já estivesse acostumada a comer em restaurantes - programa usual dos meus pais com os filhos nos fins-de-semana- nunca estivera em um lugar com ritual tão suntuoso.

Tenho a nítida impressão ter sido ali que me apaixonei pela boa vida.

Olhava a vista do Pão de Açúcar, ouvia o tilintar dos talheres, copos e xícaras. Sentia o cheiro doce do chocolate quente e a sensação dos folheados de maçã e dos alfajores derretendo na boca.
Ali decidi: quero isso para mim a vida toda. Quero tomar café da manhã de frente para um cartão postal. Quero ter acesso ao belo, ao bom gosto, ao refinado.

Nunca pensei em abrir mão das coisas simples da vida e nem da 'suburbaneidade' que concede um traquejo fundamental para lidar com a vida numa cidade tão partida, e também no mundo afora. Mas senti, naquele dia, nos início da década de 80, que me transformaria numa cidadã do mundo, capaz de desfrutar com prazer desde um pagode na lage até uma festa black tie... e, tudo isso, devo ao Edifício Argentina, o mesmo que hoje vejo da minha janela... e que me tampa a visão do Pão de Açúcar...

2 comentários:

No meu caminho tem... disse...

oi aninha!! Eu tbm tenhi um Edificio argentina na minha vida, e ele se chama (va) palco. Qdo vi as luzes a me cobrir com 9 anos num comercial, ponde era a menina propaganda da Sandiz ( lembra?)uma rede de lojas a que comprou a C&A, ai decidi q era isso q queria fazer na vida.. mas me atropelei e desisti dos palcos, mas ele nao de mim, um dia voltarei a ele...
beijinho
te cuida
odila

Anônimo disse...

Olá, gatíssima, melhor digo, felina. Tudo bem? Pois é, a vida na gamboa anda tão excitante que, impedida pelos cogobós de passar o dia contemplando a paisagem, estou tendo tempo de revisitar o seu blog.
Que bom que mesmo o muito trabalho - já que agora você trabalha em uma empresa - não está subtraindo seu tempo para os textos recreativos.
Que delícia ler aqui suas declarações de amor pelo rio, pela vida, mesmo quando esta nem sempre pode ser tão boa com a gente.
Espero você na sexta-feira em um outro endereço tradicional da cidade, que, por optar pelos azulejos e não pelos vidros fumês e por garçons antipáticos sem luvas brancas, não virou cartão postal da cidade.
Te vejo no bom e velho - velho mesmo! - lamas a partir das 20h.
dois beijos, a.