sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Campo de Santana

...é o nome de um parque, no coração do Centro do Rio de Janeiro. Fica bem na Praça da República, cercado pelo Hospital Sousa Aguiar, pela casa do Marechal Deodoro da Fonseca e pela estação de trem principal da cidade, a Central do Brasil.

Trata-se de um belo parque e tinha tudo para ser o Kensington Garden carioca, pelas amplas alamedas cercadas de árvores, grama e ...bichos!! Isso mesmo. A principal característica do Campo de Santana é ser um viveiro de cotias, patos, gatos.

Tenho uma relação afetiva muito forte com o Campo de Santana. Quando era criança, as manhãs de sábado eram ali ou na Quinta da Boa Vista. Meu pai colocava no carro eu, minha irmã e irmão mais velhos – e sempre mais um amiguinho ou amiguinha – e rumava em direção ao "Parque das Cotias", como eu carinhosamente o chamava. Ao chegar lá, meu pai sentava em um banquinho, abria o jornal e dizia "Andem, peguem uma cotia pra mim. Só vou embora quando um de vocês conseguir pegar uma cotia". Pronto. Era a deixa para sairmos enlouquecidos atrás dos roedores, uma mistura de esquilo com capivara, que nos davam uma canseira danada e , óbvio, não conseguíamos alcançar.

De vez em quando, meu pai, gaiato que é, ainda dava uns incentivos nos chamando para mostrar as cotias "Olhem essa aqui, essa tá mais fácil de pegar". Corríamos na direção do bicho que, antes sequer de darmos o primeiro passo, ja derá no pé e se atocaiara em algum canto. Meu pai ria muito e voltada a ler o jornal. Quando já estávamos exaustos, depois de horas de tentativa e algumas pausas para um suco ou um picolé, chegávamos até meu pai e dizíamos , derrotados, que não tínhamos conseguido. Ele nos consolava e dizia "Tá bom, vamos embora. Outro dia vocês conseguem".

Hoje entendo com clareza que aquelas idas ao parque nada mais eram do que estratégia. Com três crianças dentro de um apartamento seria impossível minha mãe , que é professora, dar conta de seu trabalho e estudos, além das eventuais tarefas domésticas. Meu pai, jamais conseguiria ler o jornal do fim-de-semana sossegado em casa com três crianças cheias de energia e alguns eventuais coleguinhas.

Todos saíam satisfeitos. Meu pai, lia o jornal todo. Nós, crianças, nos esbaldávamos atrás dos bichos impossíveis, acreditando que um dia conseguiríamos pegar pelo menos um. Minha mãe nos recebia de volta feliz: com o único trabalho de nos dar banho, comida e depois curtir o restinho do sábado com três crianças com adrenalina zerada, na expectativa de , no máximo, uma historinha contada antes de dormir.

Outro ponto interessante é que meu pai, talvez instintivamente apenas, alimentou em nós a capacidade de sonhar e de acreditar que o sonho é possível.

Atualmente passo todos os dias em frente ao Campo de Santana no trajeto de casa para o trabalho. Sei de todas as mazelas do parque. Sei que lá virou ponto de prostituição e de roubos. Quase não vejo criança brincando lá dentro, exceto em visitas guiadas de algumas escolas. Mas o parque continua ali, com sua natureza exuberante no meio do caos urbano.

Ontem caía uma chuva torrencial no Rio. O trânsito lento me obrigou a parar durante mais de 10 minutos diante das grades do parque. Avistei um cotia que se abrigava da chuva quase dentro de um tronco de árvore, daqueles bem sulcados. Ela devia estar sentindo frio e só mexia o nariz e as orelhas. Tinha uma aprência tão frágil que logo pensei "Acho que essa eu conseguiria pegar"...depois me dei conta e ri. Até hoje ainda penso em pegar uma cotia?

Logo veio o estalo: na verdade, a cotia nada mais é do que o símbolo da perseverança. Lembrei-me de quanto é delicioso tentar realizar algo tão desejado.

Tão doce é a sensação de seguir acreditando que vai dar para pegar a cotia.

2 comentários:

Lavinia Fernandes disse...

Que lindo. Me encheu os olhos d'água dessa vez.
Também adorava o Campo de Santana. Tinha colônia de férias lá.
Dá um jeito do seu pai ler esse texto. Ele vai amar, vai se sentir orgulhoso e nem sempre temos oportunidade de dizer a eles como essas pequenas bobagens foram importantes na nossa formação.
E minha dica: mesmo molhada e com frio, agarra essa cotia, menina!!

Unknown disse...

Salve o Campo de Santana e a dona do blog, que me despertou lembranças da infância!
Bjs,
Ale