sexta-feira, 2 de maio de 2008

O gosto da laranja azeda

Eu tinha uns cinco anos e passeava com minha madrinha por uma feira-livre. (Na minha família sem religião ninguém era batizado, mas todas as crianças recebiam as chamadas madrinhas 'de boca'. A princípio, acho que era para não nos sentirmos diferentes na escola. Depois, funcionou melhor do que se tivéssemos recebido a agüinha na testa.Os laços mais fortes são os do coração.)

Minha madrinha parou em frente à barraca de laranja e perguntou:
- Está doce esta laranja, moço?
- Está um mel, minha senhora. Um mel!, empolgou-se o feirante já esticando a mão em oferta de um pedaço da fruta.
Minha dinda fez uma cara feia, torceu o nariz, fez um gesto de 'afaste de mim este cálice' e disse ao feirante surpreso:
- Não, não, obrigada. Gosto de laranja azeda...

No alto dos meus cinco anos, com o entendimento da vida ainda em formação, me espantei e comecei a sucessão de perguntas típicas da idade. Queria entender como era possível alguém gostar de laranja azeda. Minha tia achava emgraçado. Para acalmar minha aflição, prometeu dar-me uma laranja azeda tão logo voltássemos a sua casa, pois ela dispunha de algumas no estoque.

Lembro-me da ansiedade que me acometeu. Mas quando finalmente mordi a metade da tal laranja, foi inesquecível a sensação. Um arrepio no corpo, um formigamento nas papilas gustativas e a total rejeição. Minha madrinha riu muito e perguntou:
- Não gostou?

É curioso como algumas situações vividas na infância marcam nossas vidas para sempre. Até hoje, quando acho o gosto de alguém esquisito, lembro-me deste episódio.

Seja pela comida, pelo time do coração, pelas escolhas profissionais, pelos passatempos ou pelas preferências sexuais, cada um de nós já achou, em algum momento, o gosto de alguém muito estranho. O aprendizado na tenra idade, porém, me ensinou que as pessoas não deixam de ser legais e queridas por gostarem do coisas diferentes das que eu gosto.

Quando o assunto é sexo, então, custa-me entender porque alguns comportamentos , dos outros, irritam tanto algumas pessoas. Adoro sexo e sou muito curiosa a respeito de todas as variações que envolvem o tema. Intensifiquei meu interesse pelo assunto durante meu primeiro casamento, principalmente quando começou a escassear o produto...

Comecei então a estudar o assunto. Minhas pesquisas pelo tema revelaram que há de tudo neste universo. Há práticas tão esdrúxulas que fazem qualquer festinha do cabide parecer programa de papai e mamãe...

Assistindo a filmes e documentários, percebo que mesmo nas tribos afeitas à busca do prazer pela dor, por exemplo, há praticantes gente boa, que seriam ótimas companhias na mesa do bar ou excelentes colegas de trabalho.Poderiam até mesmo ser meus amigos, apenas jamais praticaria sexo com eles.

Acho que este é o ponto: se não sou eu que vou fazer sexo com determinadas pessoas, para que perder meu tempo em criticar?

Ao longo da vida, aprendi que, epecialmente em se tratando de sexo, devemos respeitar o gosto dos outros.

Quando na prática sexual ambos (ou todos) os participantes estão plenamente conscientes e de acordo com o que estão fazendo, vale tudo.

Por isso só repudio quem estupra, faz sexo com crianças ou com animais. Sexo pela força ou com quem não tem consciência do que está fazendo é caso de polícia. Para o resto, vale o gosto de cada um.

Vejam o exemplo dos travestis. Em 1992 fiz uma reportagem para a cadeira de radiojornalismo da faculdade. Saí a campo e, na Glória, tradicional ponto de prostituição de travestis no Rio de Janeiro, entrevistei vários. Todos eles me responderam que 80% de seus 'clientes' eram homens casados, bem sucedidos profissionalmente e com filhos. O que eles procuravam? "Algo diferente", responderam as bonecas. 'Elas' me contaram os detalhes sórdidos deste 'algo diferente', mas não relatarei. Fica por conta da imaginação de cada um.

A primeira coisa que me veio à cabeça quando soube do episódio entre Ronaldo, o jogador de futebol apelidado de "fenômeno" no início de carreira e a travesti Andreia Albertini, é que Ronaldo não precisava disso. Mas quem sou eu para achar alguma coisa? Ou ele gosta ou simplesmente teve vontade de experimentar. Não prejudicou ninguém, só a si mesmo, ou melhor , a sua imagem, tão valorizada em tempos de ode às celebridades.

Por que um jogador de futebol, com o joelho ferrado, acima do peso, com o cabelo esquisito (para o meu gosto) e cheio de milhões no bolso não pode desfrutar do seu gosto particular? O que isso interessa a mim, a você ou à opinião pública? Tudo bem, eu também acho estranho, porque parto do meu gosto. Do que considero dentro do meu padrão de normalidade e aceitação.

Mas talvez ele só quisesse "Algo diferente" e sairia dali para viver a vidinha 'normal' que a sociedade exige, não fosse o senso de oportunismo da travesti.

O preço ele já está pagando. Tenho certeza que as torcidas adversárias, a qualquer time no qual Ronaldo venha a jogar um dia, jamais o perdoarão. Mas acho uma pena. Edmundo, atualmente jogador do Palmeiras, dirigiu alcoolizado, foi responsável por um acidente gravíssimo, com morte, e está aí fazendo seus gols. Claro que até hoje as torcidas gritam 'assassino' nos estádios...

Confesso que o cao do Edmundo me escandaliza muito mais até hoje. Porque sexo não tenho mesmo aspiração em fazer com o Ronaldo. Mas em relação ao Edmundo, posso um dia ter a infelicidade de atravessar um sinal verde no mesmo cruzamento em que o "animal" ultrapassar um sinal vermelho, bêbado e em alta velocidade...

Nunca foi crime gostar de laranja azeda. Deixemos o fenômeno em paz.

3 comentários:

No meu caminho tem... disse...

SOH A DIZER: FANTAAAASSSSSTIIICO!!
AMO SEU BLOG.
BEIJAO
ME MANDE SEU E MAIL!
SAUDADES
ODILA

Antonio Santo disse...

Muito bom!
Coitado do Ronaldinho, até achei que ele tivesse apelado para travestis porque nenhuma mulher quer mais ficar com ele, hehehe. O que é de pleno direito dele.
Essa coisa de ser famoso é um pé no saco, quantos clientes, dos travestis que você entrevistou, sairam satisfeitos, foram para casa e estão incógnitos até hoje, e o pobre do "fenômeno" vai ter que amargar talvez até o fim de sua vida, esta história. Feliz foi Greta Garbo!
Beijos, adorei o post!

Luís Edmundo Araújo disse...

Edmundo tá no Vascão, Ana Paula. Como é que você esquece isso?

Outra coisa: Adivinha em que time ele jogava quando se envolveu no fatídico acidente na Lagoa?
Vou dar uma dica: a camisa do time (com as cores de Exu) era a mesma que envolvia a barriga do Fenômeno quando ele se encontrou com os travecos.
Coincidência, né?