terça-feira, 5 de agosto de 2008

Clarice


Começa no próximo dia 18 de agosto a exposição "Clarice Lispector – A Hora da Estrela", no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), no Rio de Janeiro. A mostra esteve em cartaz no memorial da Língua Portuguesa em São Paulo e foi um sucesso. Confesso ter pensado em me deslocar até lá apenas para prestigiar a homenagem a uma de minhas escritoras mais queridas. Ou melhor, à escritora por quem sou apaixonada.


É. Paixão é bem diferente de admiração. Clarice Lispector , de fato, se enquadra um pouco na classificação que o senso comum costuma lhe atribuir: em alguns textos, sim, é hermética.


Mas talvez aí esteja o segredo em despertar paixões. Nem sempre gostamos do caminho da facilidade. A gente se apaixona muitas vezes, e justamente, por aquilo que não deciframos, assim, de cara. E quando não deciframos, somos devorados pela esfinge de um sentimento desconfortável e abissal, o qual denominamos 'paixão'. Clarice entendia dessas subjetividades. Uma bela frase, de sua autoria, define um pouco seu jeito de escrever e pode ajudar a quem se aventurar por Clarice pela primeira vez:


"Mas já que se há de escrever, que ao menos não se esmaguem com palavras as entrelinhas"


Apaixonei-me por Clarice ainda menina. Minha mãe, uma intelectual, mestre em Literatura Brasileira, leu o conto 'Uma Galinha', numa noite, antes de dormirmos. Minha mãe sempre contava histórias para mim e meus irmãos antes de dormirmos. Podia ter tido o pior dia, ter brigado com meu pai, ter chegado tarde em casa depois de uma jornada tripla de aulas em colégios e faculdades, mas a nossa historinha noturna era sagrada.


Acho que naquela noite do conto de Clarice mamãe estava meio de saco cheio da coleção "O Mundo da Criança", ou do Monteiro Lobato, ou mesmo dos contos infantis mais corriqueiros e digeríveis. Naquela noite, começou a contar uma história que acontecera com ela: quando criança tentara defender uma galinha de estimação contra seu fatídico destino. Em vão. Ficou traumatizada ao chegar em casa da escola e vê-la já servida para o almoço. Dos sete filhos da minha avó, minha mãe orgulha-se em contar que foi a única que não comeu a galinha naquele dia, trancou-se no quarto para chorar a perda. Não sei se por trauma, até hoje minha mãe não gosta muito de frango... depois do relato pessoal, com o qual eu e meus irmãos já tínhamos nos divertido, começou a leitura do conto.


Obviamente minha mãe contava com o efeito sonífero que um conto de adulto certamente causaria. De fato, meus irmãos sucumbiram rapidamente, eu não. Fiquei impressionadíssima com toda aquela falta de sensibilidade dos adultos, terríveis matadores de galinhas queridas das crianças. Comecei meus questionamentos infantis. Ou seja, perturbei minha mãe como de praxe, pois sempre fui a mais questionadora dos três, até ser vencida pelo cansaço e dormir profundamente.


Já adolescente, folhendo a revista do "Círculo do Livro". (Bem, para quem tem menos de 30 anos, o "Círculo do Livro" era uma espécie de 'Avon' cultural. Os sócios recebiam mensalmente uma revista, que um revendedor vinha trazer em casa. Depois esse mesmo revendedor buscava a revista, devidamente preenchida com os exemplares solicitados).


Lá em casa cada um tínha o direito de escolher um livro por mês. Mas minha mãe sempre comprava muitos, especialmente os clássicos da literatura nacional e internacional, que eram infinitamente mais baratos que nas livrarias.


Voltando a Clarice. Chamou-me atenção o livro "Para não esquecer", classificado como de contos e crônicas de Clarice Lispector. Foi a minha escolha daquele mês, mas minha mãe já o tinha escolhido, o que me deu direito a escolher outro , que não me lembro qual foi. Eu era uma pirralha, de 12 ou 13 anos talvez, e minha mãe deve ter ficado com peninha de mim, achando que eu não entenderia nada...

Mas eu não sei dizer se entendi, mas posso afirmar que senti, profundamente , cada palavra - ou talvez cada entrelinha - dos textos de Clarice Lispector.


Minha paixão por Clarice aconteceu na terceira crônica do livro, que eu nunca mais esqueci e reproduzo aqui aos interessados:



Por Não Estarem Distraídos

de Clarice Lispector.


Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que por admiração se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles.Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles. Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque - a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras - e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração.

Como eles admiravam estarem juntos!



Até que tudo se transformou em não. Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles. Então a grande dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela que, estava ali, no entanto.No entanto ele que estava ali. Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram.Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios.Tudo, tudo por não estarem mais distraídos.



Um comentário:

No meu caminho tem... disse...

Bom, nao vou ser repetitiva, mas temos hostorias muito parecidas messmo,mas a minha primeira experiencia teatrla seria foi com um dos livros q mais gosto dela q eh PERTO DO CORACAO SELVAGEM, e fiz pelo CPT de antunes filho....
foi muito bom, eru adoro ela, mande fotos da expo, e umas frases...
sauaddes
odila