sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Meninos não choram...

Se conheceram em uma roda de purrinha. Primeira semana de aulas. Começava o primeiro ano do segundo grau. Era uma escola técnica. Da turma de quarenta, apenas sete eram meninas. Ele ficou impressionado com o jeito falante dela, ela achou divertido o jeito marrento dele.

Ele torcia pelo Flamengo, ela adorava esporte. Ela namorava um atleta, ele sonhava em cursar Educação Física. Ele organizava as olimpíadas do colégio, ela ficava triste por não haver garotas suficientes para formar times femininos. Ele era o melhor no vôleibol, ela ganhou medalha de bronze na natação. Ele ensinou para ela as regras de impedimento do futebol, ela nunca mais esqueceu.

Ela tomou seu primeiro porre com ele, ele a deixou na porta de casa. Ela fazia confidências sobre seu namoro, ele 'ficava' com todas amigas dela. Ela ensinava literatura para ele, ele explicava física e matemática para ela. Ele matava aula e a carregava para o Tivoli Park, ela o arrastava para os treinos do Flamengo, na Gávea.

Os dois íam ao Maracanãzinho ver os jogos de vôlei. Ele dizia que o Renan era feio, ela não conseguia entender o que ele via na Vera Mossa. Os pais dela o adoravam, a mãe dele a queria como nora. Ela terminou o namoro, ele só pensava nas provas finais. Ela foi fazer estágio em Santa Catarina, ele ficou no Rio.Ela se apaixonou no Vale do Itajaí, ele prestou vestibular para Engenharia Química.

Ela deixou de ser uma menina, ele se aprimorou na arte da sedução. Ela voltou ao Rio, ele a buscou na Rodoviária. Ele reclamou que ela engordara, ela passou a correr com ele na praia. Ela emagreceu, ele tocava violão nas reuniões com amigos. Ele a convidou para ir a Santa Teresa, ela nunca tinha ido lá. Ele achava o bar de chorinho a cara dela, ela reparou no sorriso dele. Ela dormiu na casa dele, ele cedeu seu quarto e foi dormir na sala.

Eles foram ao cinema. Ele chamou a atriz do filme de gostosa, ela ficou desconcertada. Ele disse:"Eu às vezes esqueço que você não é menino". Ela se virou e chorou baixinho, ele não reparou.

Eles ficaram seis anos sem se ver. Ele reapereceu de surpresa em uma festa na casa dela. Ela o chamou pelo apelido da escola, ele a chamou por seu segundo nome, no diminutivo. Ele perguntou se ela gostou da Copa de 94, ela segurou a empolgação. Ele discorreu sobre sua admiração pelo Romário, ela fingiu que nem ligava para o Camisa 11. Ele criticou o Zinho, ela dissimilou e perguntou quem era. Ele a olhou diferente, ela lhe ofereceu uma bebida.

Ele queria saber se ela ainda ía ao Maracanã, ela disse que a última vez fora com ele. Ele queria saber se ela ainda sabia reconhecer um impedimento, ela disse estar destreinada. Ele pediu para ver as fotos dos tempos de colégio, ela levou-o para seu quarto. Na sala a festa estava no segundo tempo, no quarto corriam as preliminares. Ele a chamou de gostosa, ela sorriu baixinho.

Ele foi embora, ela dormiu. Ele deixou um recado na secretária eletrônica, ela retornou dois dias depois. Ela foi fazer compras, ele estava no shopping. Ela sozinha, ele com o irmão. Ela comprara um vestido, ele procurava uma camisa branca. Ele estava nervoso, ela com saudade. Ela o achou estranho, ele suava. Ela não perguntou nada, o irmão contou que ele se casaria no próximo sábado. Ela sentiu o chão abrir, ele baixou o olhar. Ela soube que a noiva tinha o mesmo nome que o seu. Ele soube que nunca mais a veria de novo.

Ela sentiu um nó na garganta. Ele balbuciou algumas palavras.
Ela virou as costas sem dizer nada. Ele continuou de frente, sem fazer nada.
Ela desceu as escadas rolantes, ele ficou olhando.
Ele parado, ela segurando o pranto.
Ele calado, ela a pensando: 'meninos não choram, meninos não choram, meninos não choram...'

Um comentário:

No meu caminho tem... disse...

porra, que coisa linda!!!
amei... ai q saudades das minhas aventuras na escrita, tenho q voltar a escrever... quem sabe...
lindo!!
beijao
odila