sábado, 19 de abril de 2008

Sô Sem Noção

Não é de hoje que euzinha aqui, carioca da gema, de carteirinha, etc...etc...vem tentando desabafar com meus 20 leitores (eu tenho a ferramenta startcounter e a média são 20 por dia. Uhu!) sobre a falta de educação, cortesia e sabedoria no trato uns com os outros no Rio de Janeiro. O título do texto de hoje eu tomei emprestado da brilhante crônica do João Ximenes Braga, no caderno Ela, do jornal O Globo de hoje. Foi a primeira leitura do dia e recomendo. Concordo com cada linha do texto. (quem não for assinante, dá para ler através do Globonline, em colunas, caderno Ela, João Ximenes Braga)

Sô Sem Noção é o nome que Ximenes Braga cunhou para identificar a espécie de 'entidade' que costuma 'baixar' no carioca em seu convívio social no dia-a-dia.

Alguns episódios recentes ilustram e corroboram com a tese do cronista.O carioca parece nem perceber sua postura anti-cidadania, pois está tomado por uma espécie de espítito do mal qualquer, que prima pelo non sense.

Sem contar com as manias de entrar nos vagões do metrô antes dos outros passageiros descerem, mesma coisa com elevador, e da surdez para a palavrinha mágica "dá licença" - situações citadas por João Ximenes Braga na crônica -, também tenho meus exemplos:

No último fim-de-semana ciceroneeei um grupo de amigos irlandeses no Rio. É incrível a capacidade que pessoas pagas para executar serviços de atendimento têm de se irritar com situações com as quais já deveriam estar treinadas para lidar. Quando o 'gringo' é um pouco mais lento para contar o dinheiro e o troco, a cara feia e as bufadas logo vêm à tona. Culpa do caboclo Sô Sem Noção, é claro. Outro exemplo foi a senhora na casa de câmbio. Ela resolveu ser grossa porque uma de minhas amigas se enganou e retirou da carteira pesos argentinos, quando tinha perguntado a cotação do euro. Mas certamente não era ela e sim o caboclo Sô Sem Noção em ação.

Meus amigos também quiseram aproveitar a companhia de uma carioca legítima para pegar ônibus, ir aos lugares que nós vamos, enfim, sentir a cidade fugindo do lugar-comum turístico. Ficaram ligeiramente assustados em ter que correr para pegar o ônibus que nunca para nos pontos, sempre no meio da rua, em geral aproveitando o sinal fechado. A subida de passageiros é apenas uma concessão que o caboclo Sô Sem Noção, sentado no lugar do motorista, faz a quem se aventura a andar de ônibus no Rio.

Ontem experimentei mais uma situação, destas de fazer você sair do sério, para as quais muitos dos cariocas parecem estar vacinados.

Fui bater perna com uma amiga no Centro da Cidade, aproveitando o dia de folga. Quando andávamos pela Rua Sete de Setembro, resolvi entrar na Igreja Nossa Senhora do Carmo, antiga Catedral da Sé, recém-reformada em função das comemorações do bicentenário da vinda da família real portuguesa ao Brasil. Em se tratando de uma igreja católica, o caboclo Sô Sem Noção mostrou que não se intimida.

Um rapaz com camisa de guia foi logo atrás de nós quando rumamos porta adentro. Percebi sua aflição e perguntei: "A gente não pode entrar aqui?", ele gaguejou, não explicou bem, mas disse "Agora que vocês já estão aqui, tudo bem né?". Como sou do tipo que gosta de fazer as coisas direito, dentro das regras, resolvi sair e perguntar como era o esquema de visita. Mas parece que o guia se ofendia com minhas perguntas. A que mais lhe ofendeu foi a indagação sobre onde estava o coração de Pedro Álvares Cabral. A feição do guia contorceu-se completamente e ele, assustidadíssimo, exclamou surpreso e afetado: "C-O-R-A-Ç-Ã-O?????!!! Você quer dizer restos mortais, não é?". Eu respondi "Bem, eu li que inclusive o coração dele foi encontrado aqui em uma das primeiras obras de restauração". Sabe qual foi a resposta do caboclo Sô sem Noção travestido de guia? Vejam:" Você leu aonde (sic)? Na 'Caras"? (risinho debochado) Porque eu vou até me informar sobre isso...". Daí em diante eu não tive mais vontade de entreter com a 'entidade', mas ainda precisei fazer umas perguntas, todas respondidas de forma estranha, um misto de incômodo com simpatia dissimulada.

Mas o pior foi quando eu saí. Desabafei com a amiga sobre a postura do Sô Sem Noção em questão e sabem o que escutei? "Eu hein, Paula, você se estressou à toa. Não vi nada demais. O cara foi até legal deixando a gente ficar lá na salinha que não poderíamos entrar.Tá na TPM?".

Ainda fiz um pequeno discurso sobre a conformidade que a gente tem em relação a estas situações. Que o "jeitinho" quando nos favorece é legal, mas quando não nos favorece a gente reclama, que o cara não poderia nunca ter feito aquele comentário debochado sobre eu ter lido a informação em 'Caras', que estou de saco cheio da falta de profissionalismo, especialmente em locais turísticos, mas aí comecei a temer que o caboclo Sô Sem Noção, que por segundos tomara minha amiga, estivesse prestes a baixar em mim. Resolvi calar-me.

Em tempo: não li a informação em 'Caras'. A nota eu li na coluna do Ancelmo Góis, em 8 de março deste ano. Segue na íntegra:

Coração valente
Pouca gente sabe ou lembra. Mas a antiga Sé do Rio, que Cesar Maia reinaugura hoje, depois de reforma, na Rua 1º de Março, guarda no subsolo, numa capela de mármore, parte dos restos mortais de Pedro Álvares Cabral, incluindo seu coração.

Acho que o caboclo Sô Sem Noção só lê 'Caras'...

2 comentários:

Lavinia Fernandes disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Lavinia Fernandes disse...

Ih, sobrou pra mim!
Acho que o mundo tá cheio de gente sem noção mesmo.
Mas justamente por ser sem noção, o sujeito vai responder de maneira estranha quando uma pessoa é grosseira com ele por motivos que só a própria pessoa compreende.
Não adianta tentar ser razoável quando a conversa se inicia em tom de deboche, de crítica porque ela só pode continuar no mesmo tom das duas partes.
Acho que certas posturas "cariocas" estão institucionalizadas e fica ruim pra gente ficar batendo de frente com as pessoas se não estivermos dispostas a explicar a elas o motivo da indignação.
Ela vai considerar vc uma maluca grosseira e vc considerar ela um idiota sem competência.
Isso não leva ninguém a lugar nenhum.