sexta-feira, 25 de abril de 2008

La Doce Vita

Estava na enfermaria de uma clínica em Botafogo. Tomava um litro de soro na veia enquanto aguardava o resultado do exame de sangue, que confirmaria ou não a suspeita de dengue.
O celular vibrou. Vejo no visor o número do amigo Ivan Gelabert.
Mas ele não estava na Itália?
Atendo aflita. Só poderia ter acontecido alguma coisa...
- Alô, digo em voz fastigada pelo mal-estar e preocupação.
Uma voz levemente entrecortada pelo roaming internacional responde:
- Ana Paula! Te ligo para contar que estou comendo o melhor tagliatelle ao funghi que já comi na minha vida, depois de ter provado uma mortadela maravilhosa, em frente da mulher da minha vida, em uma das cidades mais bonitas do mundo e falando ao telefone com uma das pessoas que mais admiro!

Emocionei-me.

Logo em seguida, sua mulher, Regina, minha amiga há quase vinte anos, pega o telefone:
- Consegui achar aquele restaurante! O Ivan está encantado!

Em setembro de 1996, em minha primeira viagem a Europa, estava na companhia da Regina. Florença foi uma das cidades pelas quais passamos. O restaurante em questão é uma trattoria, onde entramos em nossa primeira noite na capital da Toscana. A mesa de mármore – cuja grande novidade para duas brasileiras seria compartilhá-la com comensais desconhecidos – era forrada com um papel, tipo papel pardo. Antes dos cardápios nos serem entregues, um pedaço de mortadela foi praticamente jogado na nossa frente. Em seguida, cesta de pães italianos quentinhos e um prato com azeite, pimenta e sal para molharmos o pão. Nunca antes havia comido mortadela em pedaço, como se fosse um queijo redondo. Acostumada com as fatias finas das seções de frios dos supermercados, percebi logo a diferença e o requinte que a Itália empresta à iguaria. Desde aquele remoto seetmbro, mortadela tomou outra dimensão em minha vida...

Pedimos depois um prato de tagliatelle ao funghi porcini, aliás, Regina pediu. Eu pedira outra coisa, mas o prato da amiga estava tão lindo e cheiroso que tive de prová-lo. Meu prato perdeu completamente a graça. Tivemos que voltar no dia seguinte, para almoçarmos e eu conseguir sair de Florença tendo degustado o melhor tagliatelle ao funghi porcini do mundo.

Naquela viagem, Regina ainda não conhecia Ivan. Como boas amigas e companheiras que já éramos, era comum, ao longo dos quase 30 dias juntas no Velho Continente, falarmos sobre os sonhos. Entre os quais, o de encontrarmos nossos companheiros, aqueles especiais, com quem um dia compartilharíamos tudo de bom que a vida já nos tivesse apresentado.

Quando Ivan entrou na vida da Regina foi muito tranquilo o processo de entrosamento dele com os amigos dela e vice-versa. A harmonia e o amor do casal converteram-se facilmente em um convívio agregador, de abertura a novas pessoas, de ambos os lados. Foi assim que um dia, convidada para um jantar na casa deles, levei um pedaço compacto de mortadela, da marca Ceratti, bem parecida com aquela experimentada na Itália. Ivan, que até aquele momento acreditava que mortadela era somente um frio gorduroso e sem graça, aprovou a novidade: comer mortadela tipo italiana em nacos, em vez de em fatias.

Quase 12 anos depois, as dores no corpo e o mal estar causados pela suspeita de dengue foram amainados pelo gesto de carinho do casal amigo.

Fiquei sinceramente comovida. A vida é mais doce quando temos boas companhia, quando temos com quem dividir os bons momentos.

Como sou muito ligada a cinema, me lembrei imediatamente de um filme assistido recentemente: "Into the Wild", que aqui recebeu o nome de "Na Natureza Selvagem". O filme aborda a história real de um jovem americano que precisou abdicar do convívio social e se aventurar pela natureza exuberante adentro até constatar a maior descoberta de sua vida, quando já estava à beira da morte:

"Felicidade só é completa quando compartilhada"

Sempre acreditei nisso. E quero viver enquanto tiver gente para compartilhar o percurso comigo.

Em tempo: as plaquetas estão em ordem. Mas se os sintomas persistirem, terei que repetir o exame de sangue em 48 horas.

5 comentários:

Anônimo disse...

Que belo texto, hein?

Mas esse filme não é aquele do Herzog, sobre o maluco meio afeminado que vivia com os ursos e acabou jantado por um deles?

Antonio Santo disse...

Como professor, que sou, sempre foi meu lema: compartilhar aquilo que será "útil" para a vida do outro . Uma piada, que vantagem tem saber uma piada e não dividí-la? Um bom livro, uma boa história. Um sentimento doce. Uma vida! Beijos e chô dengue!

Unknown disse...

Espero que vc esteja melhor.
Hoje passei o dia com três amigos queridos e então seu texto fez muito sentido para mim.
Bjs e fique com Deus,
Ale

Lucianne Carneiro disse...

Que vontade de comer esse tagliatelle... Concordo totalmente com a felicidade compartilhada. Alias, ela 'e uma das principais razoes para eu preferir abdicar da liberdade de fazer o que quiser em uma viagem sem precisar de qualquer negociacao (ao embarcar na aventura sozinha) ou escolher ter ao meu lado pessoas que gosto. Que as plaquetas continuem se comportando direitinho. beijos

Random me disse...

que peninha que está (estava?) enferma..espero que esteja tudo bem contigo agora. desejo que tenha alguém bem bacana pra cuidar de ti! :o)