terça-feira, 29 de julho de 2008

Meu primeiro amor



O ano era 1984. Eu e minha irmã éramos duas adolescentes de 14 e 16 anos, respectivamente. Para mim, seria a primeira vez, para minha irmã, talvez a segunda ou terceira. Era o dia de apresentar meu primero namorado aos meus pais.
Quando os dois chegaram lá em casa, lembro-me bem da cara de surpresa de minha mãe. No 'alto' de seu 1,50 metro, mamãe precisou se esticar toda, enquanto os meninos se envergavam. Os rapazaes eram amigos, ambos jogadores de basquete do Mackenzie, clube do Méier, que , na época, tinha a base da seleção brasileira juvenil e acabou exportando atletas para diversos clubes grandes, como Flamengo, Fluminense, Hebraica e Monte Líbano. Minha mãe adorou os dois. Achou-os educadíssimos e muito bonitos.
Meu pai nem tanto. Ficou sisudo o tempo todo e o auge foi quando minha mãe fez uma gracinha ao servir mate gelado na hora do lanche "Podem ficar tranquilos que o que falam sobre o mate é mentira". Para quem não sabe, a gostosa e refrescante bebida tipicamente carioca já teve fama de ser broxante. Meu pai arregalou os olhos e brigou com minha mãe nos bastidores, pois achou um absurdo ela fazer essa brincadeira com os namorados de suas filhas...até hoje morremos de rir ao lembrar desse episódio.
Eu estava apaixoanda. Zé Luiz era tudo de bom: apesar de ser um menino de 17 anos, já tinha uma postura de homem sério, educadíssimo, cavalheiro e mega-inteligente. Lembro-me de ficarmos horas conversando, entre as pausas dos longos beijos . Naquela época, namorados desta idade só se beijavam e se abraçavam. Abraços apertados e intensos, mas apenas abraços. Além de tudo era saudável, atleta, um sonho.
Ele tinha 1,94 de altura, corpo perfeito, sorriso de comercial de pasta de dente e um olhar doce e intenso ao mesmo tempo, mas nem de longe se dava conta do seu potencial. Era modesto e até tinha um ar de patinho feio, motivado, talvez, pelo fato de os demais meninos, os jogadores do clube, serem, em maioria, dotados daquela beleza fácil: olhos verdes, cabelos louros, etc..etc... O Zé, não. Poderia até ter passado despercebido por todo mundo, se eu não o tivesse descoberto no meio de tantos rapazes, tão mais dentro dos padrões vigentes.
Lembro-me de ter ido assistir a um jogo de basquete no clube perto de casa, levada por algumas amigas que já paqueravam meninos do time. Eu me sentei calmamente na arquibancada e fiquei prestando atenção no jogo, pois sempre fora ligada em esporte. Em determinado momento, um adversário tentou segurar a camisa de um dos jogadores do time da casa, rasgando o uniforme dele. O juiz não viu e eu fiquei revoltadíssima com aquilo.
Mas a postura dele foi incrível: dirigiu-se ao juiz com serenidade, mostrou o rasgo e depois disso, não deu mais ninguém em quadra. O moleque, como que tomado por uma sede de vingança, canalizou toda a injustiça do juiz em cestas, cestas e mais cestas. Eu ficara hipnotizada. Era apenas uma menina inexperiente, nunca tinha namorado, não sabia como essas coisas começavam. Mas o instinto se mostrou mais forte, virei-me para amiga ao meu lado e perguntei:" Quem é o menino da camisa rasgada?" Ela me disse: "Ah, é o Zé Luiz".Eu mandei de pronto: "Nossa. Ele é demais!". A amiga espantada ainda comentou: "Mas o Zé? Nunca poderia imaginar".
Rapidamente, a rede de relacionamentos tratou de fazer meu comentário chegar a seus ouvidos. Fomos apresentados pelo namorado da minha irmã, também jogador do mesmo time. Depois do treino daquele dia, haveria 'baile' no clube. Ficamos conversando na escada da quadra, ouvindo as músicas de dentro do salão. Quando começou a tocar uma música lenta, lembro-me até hoje, "Ebony Eyes", do Rick James, nos beijamos e não nos desgrudamos por três anos.

Ele foi jogar no Monte Líbano em São Paulo, depois voltou para o Rio, foi para o Flamengo, fez eu consolidar minha paixão pelo rubro-negro, depois foi jogar em Queluz, Portugal, qaundo, então, o namoro acabou. Guardo até hoje as inúmetras cartas trocadas em uma época na qual não existia tecnologia para aproximar as pessoas. A última vez que o vi foi em 1996. Eu fazia natação no Flamengo e ele chegava para o treino, pois voltara a jogar lá. Nos abraçamos, foi emocionante, chegamos a combinar de nos vermos no dia seguinte. Mas eu não o vi mais. Depois fiquei sabendo que ele se casou e teve um monte de filhos, três ou quatro, eu acho.
Toda essa história foi porque sonhei com ele ontem. No sonho, ele aparecia na minha casa, igualzinho a primeira vez. O engraçado do sonho é que os 'personagens' estavam atualizados: minha mãe o que é hoje, eu e minha irmã também e tanto ele como o então namorado da minha irmã na ocasião estavam coroas, de cabelos brancos e até bem diferentes fisicamente, mas todos com a mesma essência daquele primeiro encontro que deixara todos felizes.
Procurei-o no Google. Poucas informações, apenas agora sei que ele é um dos 10 cestinhas do campeonato de basquete sênior de São Paulo, além de ser o 327º melhor jogador no ranking da Confederação Brasileira de Basquete (CBB).


Tirei do baú toda uma história por causa de um sonho com alguém que andava bem longe do plano consciente.
Fiquei pensando no porquê de ter sonhado com ele.
Teria sido para lembrar o quanto é gostoso viver um amor quando a gente ainda não tá calejado pelas decepções? Para lembrar de como era bom quando o medo ainda não funcionava como antídoto contra as possibilidades de ser feliz ao lado de alguém legal?
Foi bom lembrar dessas sensações e devo agradecer pela lembrança. Meu primeiro contato com essa crazy little thing called love foi com o Zé Luís. Daí por diante, virei uma mulher muito exigente na escolha de quem vai ficar a meu lado.
O lado ruim desse padrão alto é porque acaba prolongando o tempo de entressafra, entre um amor e outro.
A parte boa, no entanto, compensa: devo a essa primeira boa experiência o fato de optar por ter uma vida amorosa mais qualitativa, em vez de quantitativa.



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